06 abril 2024

Cláudio Carraly opina

Os super-ricos e a democracia são incompatíveis
Cláudio Carraly*


Nos últimos anos, o fosso entre os bilionários e o restante da população mundial alcançou níveis alarmantes, gerando preocupações crescentes sobre os impactos socioeconômicos e políticos dessa disparidade. A concentração extrema de riqueza nas mãos de uma pequena elite não apenas exacerbou a desigualdade, mas também minou a estabilidade democrática e a coesão social em todo o mundo. Dados recentes do Credit Suisse revelam que os 1% mais ricos detêm mais da metade de toda a riqueza global, enquanto os 50% mais pobres possuem menos de 1% da riqueza total. Essa disparidade é uma mancha na sociedade humana, exacerbando a pobreza, a exclusão social e a injustiça econômica.

A disparidade entre os mais abastados e o restante da sociedade continua a alargar-se, acarretando consequências não apenas para os estratos menos favorecidos, mas também para o crescimento econômico e a estabilidade política em âmbito global. O poder financeiro dos super-ricos frequentemente se converte em uma influência política desproporcional, permitindo-lhes manipular políticas públicas em seu próprio benefício, operando para minar processos democráticos e privilegiar seus interesses individuais em detrimento da necessidade da maioria. Esta influência indevida desse nível de poder econômico, quando ocorre na esfera política, contribui fortemente para a erosão da confiança do público nas instituições, elevando a crescente instabilidade das estruturas democráticas.

A busca incessante por lucros máximos frequentemente leva à exploração de trabalhadores e à precarização das condições de trabalho, perpetuando não apenas a injustiça econômica e social, mas também minando os direitos humanos mais básicos, principalmente conquistas trabalhistas históricas. A implementação de políticas fiscais mais progressivas, que taxem os bilionários de forma mais significativa, pode ajudar a redistribuir a riqueza para a base da sociedade e contribuir para investimentos em infraestruturas nacionais. Isso inclui, além da taxação das grandes fortunas, também as heranças e ganhos de capital, bem como a eliminação de brechas fiscais que permitem a evasão fiscal por parte dos mais ricos. É crucial fortalecer as leis antitruste regulando as práticas financeiras a fim de evitar a formação de monopólios e conter o poder econômico desproporcional das grandes corporações. Isso inclui medidas para limitar fusões e aquisições que possam resultar em concentração excessiva de poder econômico, combatendo assim práticas anticompetitivas que prejudicam a concorrência e os consumidores e acabam por gerar o acúmulo de muito dinheiro nas mãos de muito poucos.

Fomentar uma participação mais robusta da sociedade civil nos mecanismos políticos é crucial para consolidar a integridade democrática. Isso implica em criar espaços institucionais onde os cidadãos possam ser ouvidos e ter uma influência tangível nas decisões políticas. Esses espaços podem incluir fóruns de debate público, consultas populares, iniciativas de orçamento participativo e canais de comunicação direta com representantes eleitos. Além disso, é fundamental promover uma cultura de transparência e prestação de contas, tanto no setor público quanto no privado. Isso requer a divulgação aberta das atividades financeiras e de lobby das elites econômicas, garantindo que os interesses especiais não exerçam uma influência desproporcional sobre as políticas públicas.

No que diz respeito às finanças políticas, é imperativo fortalecer a regulamentação e aprimorar o monitoramento das doações de campanha, claro que cada estado nacional tem sua própria legislação, mas no geral, isso envolve estabelecer limites claros para as contribuições individuais e corporativas, além de diminuir os valores do financiamento público, garantindo a rastreabilidade e a prestação de contas completa desses recursos. A transparência nas doações não apenas reduz a possibilidade de corrupção e influência indevida, mas também promove a equidade no processo político, permitindo que candidatos e partidos tenham condições mais justas e campanhas mais baratas. Para combater a influência indevida do dinheiro na política, é necessário implementar medidas eficazes para evitar conflitos de interesse e coibir práticas de cooptação. Isso inclui a proibição de doações de empresas em troca de favores, a criação de mecanismos de supervisão independente para monitorar os vários tipos de financiamento e a imposição de sanções severas para aqueles que violarem as leis de financiamento de campanha.

O surgimento de movimentos pela Justiça Fiscal e a Redução da Desigualdade tem ganhado força, com organizações da sociedade civil, movimentos sociais e coalizões internacionais pressionando por medidas mais robustas. Dentre essas medidas, incluem-se propostas como a taxação progressiva da riqueza e o combate efetivo à evasão fiscal. Nesse contexto globalizado e interdependente, os organismos internacionais desempenham um papel crucial na promoção da justiça fiscal e na defesa dos interesses globais. Através da coordenação de políticas, essas instituições podem criar um ambiente propício para a implementação de medidas eficazes de taxação das grandes fortunas e para o combate à evasão fiscal em escala global. Isso implica não apenas na definição de normas e padrões internacionais para a transparência fiscal e a troca de informações entre países, mas também na provisão de apoio concreto por meio de programas de capacitação e assistência técnica, visando fortalecer os sistemas fiscais dos países em desenvolvimento e garantir uma distribuição mais justa da carga tributária.

Existe um crescente reconhecimento da importância de uma ação coordenada ao nível internacional para confrontar tanto a desigualdade quanto o excessivo poder econômico dos bilionários. Dentro deste contexto, diversas iniciativas e debates têm emergido como pontos cruciais, destacando-se a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção - UNCAC, que busca ativamente promover e fortalecer medidas preventivas e de combate à corrupção em escala global. Esta convenção se propõe a adotar medidas efetivas para evitar a subjugação do Estado por interesses econômicos poderosos. Também a Iniciativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE lançou um instrumento chamado de Base Erosion and Profit Shifting (Erosão da Base e Transferência de Lucros), em uma tradução livre, com o intuito de combater estratégias de evasão fiscal utilizadas por grandes corporações multinacionais, este esforço busca deter a transferência de lucros para jurisdições com baixas taxas de imposto. O debate em torno de uma Taxa Global Mínima de Imposto sobre Empresas, que está em curso, visa implementar uma taxa para evitar competição fiscal prejudicial entre os países, esta medida busca garantir que grandes empresas contribuam com uma parcela justa de impostos em todas as regiões onde operam.

Além disso, organizações como o Fundo Monetário Internacional - FMI, o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas, deveriam desempenhar um papel fundamental na promoção de políticas econômicas e fiscais mais inclusivas, por meio de sua atuação, não apenas soluções imediatas para os desafios que surgem, mas também abordagens estruturais que combatam as desigualdades inerentes ao sistema e que promovam o desenvolvimento sustentável, lamentavelmente ainda estão muito aquém desse embate. Adicionalmente, fóruns internacionais como o G20, o Fórum Econômico Mundial e o BRICS também podem vir a se tornar plataformas importantes para o diálogo e a cooperação entre os países, facilitando discussões sobre questões relacionadas à desigualdade econômica e ao poder danoso dos super-ricos, visando encontrar soluções coletivas e inclusivas para esse crescente problema.

As iniciativas internacionais desempenham um papel fundamental na sensibilização sobre a urgência de ações coordenadas para lidar com a desigualdade e promover um desenvolvimento econômico mais sustentável e inclusivo, a crescente concentração de riqueza nas mãos de uma pequena elite é um desafio premente que requer uma resposta coletiva e coordenada. Somente por meio de medidas robustas e abrangentes, tanto nacionais quanto internacionais, podemos esperar enfrentar eficazmente essa questão e edificar um futuro mais justo para todos os membros da comunidade global, esta batalha transcende a esfera da justiça econômica, sendo também uma questão de dignidade humana e estabilidade social. Com a cooperação e a vontade política adequadas, é viável forjar um mundo onde a prosperidade seja compartilhada de maneira mais equitativa, proporcionando a todos os países a oportunidade de alcançar seu máximo potencial, como deveria ser.

*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
Leia também: Unidade e luta sempre https://bit.ly/3PSfmGx

Nenhum comentário:

Postar um comentário