11 maio 2024

Pressão pelo atraso

Estamos condenados a ser um fazendão?
Há uma enorme pressão externa, na forma de demanda, para continuarmos um fazendão, e o agronegócio e a mineração como importantes atores políticos internos que pretendem reforçar esse modelo de relação
Silvio Caccia Bava/Le Monde Diplomatique

 

As pressões internacionais do mercado e suas demandas buscam reduzir o Brasil a um fornecedor de matérias-primas e alimentos. Vivemos uma reprimarização de nossa economia. Em 2023, encabeçam nossa pauta de exportações produtos como ferro (US$ 42,2 bi), soja (US$ 37,3 bi), petróleo bruto (US$ 27,4 bi), açúcares e melaços (US$ 8,5 bi), carne bovina (US$ 7,4 bi), farelo de soja (US$ 7,2 bi), carnes de aves (US$ 6,3 bi) e celulose (US$ 6,1 bi).1 Um terço de nossas exportações hoje vai para a China, nosso maior comprador; para comparação 11% vão para os Estados Unidos.

Enquanto crescia a exportação de produtos primários, a exportação de bens manufaturados caía 27,5% de 1997 a 2021. A participação da indústria de transformação no PIB caiu de 35,9% em 1985 para 11,3% em 2021. O que antes era produzido no Brasil passou a ser substituído por produtos importados, mais baratos, processo que se intensificou a partir da abertura indiscriminada do mercado brasileiro para as importações, obra dos governos FHC, nos anos 1990. O que marcou esse momento foi “o virtual alijamento das metas de substituição de importações de insumos básicos e bens de capital para a agricultura”.2
 

São muitas as razões que explicam esse processo, mas um elemento central é a ideologia neoliberal, que busca transferir para as empresas a estratégia do desenvolvimento, gerando falta de investimentos em tecnologia e falta de apoio do Estado para fortalecer o setor industrial de transformação. Como exemplo, podemos citar as indústrias de brinquedos, de calçados e de vestuário, muito prejudicadas nesse processo.

Esse complexo agropecuário exportador (23,8% do PIB), associado à mineração (4% do PIB), tem provocado desmatamento, uso das reservas de água, poluição do solo e destruição da biodiversidade pelo uso indiscriminado de agrotóxicos, bem como concentração fundiária e da riqueza. As importantes bancadas parlamentares financiadas por esses setores econômicos no Congresso Nacional asseguram subsídios, isenções e volumosos recursos públicos, que alavancam seus lucros. E as falhas nos sistemas de controle e fiscalização (falhas produzidas) facilitam a evasão fiscal e mesmo o contrabando. A Agência Nacional de Mineração (ANM), esvaziada de seu papel, estima em 50% a sonegação pela falta efetiv a de fiscalização. A ANM calcula em R$ 153 bilhões o que a União deixou de arrecadar nos últimos cinco anos do setor.3

Então há uma enorme pressão externa, na forma de demanda, para continuarmos um fazendão, e o agronegócio e a mineração como importantes atores políticos internos que pretendem reforçar esse modelo de relação. Se depender dos agentes do mercado, ficamos assim mesmo, capturados em um novo modelo colonial, predatório e explorador. O futuro será o aumento da desigualdade e da pobreza.

Essa relação também é proposta pela União Europeia, que condicionava a assinatura do acordo à liberação das compras públicas para fornecedores estrangeiros, o que só leva a mais desindustrialização. Ocorre que seus agricultores estão barrando o acordo, pois querem tarifas adicionais de importação para impedir a concorrência dos produtos brasileiros. Eles sabem proteger seus interesses.

A história pós-Segunda Guerra Mundial mostra que os países que conseguiram sair dessa condição de colônia para uma posição de maior autonomia e bem-estar social foram aqueles que defenderam e estimularam o surgimento de uma indústria nacional, e investiram fortemente em educação e tecnologia, como a Coreia do Sul. Não é segredo, mas teremos que enfrentar interesses poderosos.

Desde a guerra comercial protagonizada pelos Estados Unidos, que por meio da Lava Jato destruiu nossas empreiteiras de obras públicas, que faziam concorrência às americanas, e atacou a Petrobras, promovendo a desindustrialização, até uma bancada de trezentos parlamentares (em um total de 513) na Câmara dos Deputados que prioriza o agronegócio e a importação de seus insumos, como os agrotóxicos.

O governo Lula tem sido ativo na diplomacia, buscando maior autonomia em relação aos Estados Unidos. Está entre os fundadores do Brics; propõe que as trocas comerciais não sejam mais feitas em dólar; sugere a reforma das instituições multilaterais para sair do controle dos países mais industrializados, assim como acordos de industrialização e transferência de tecnologias com outros países; e aposta na reconstrução do Mercosul e na formação de blocos regionais.

No plano interno, depois da destruição das instituições públicas pelo governo anterior, o governo atual procura recuperar a universidade e a pesquisa, lança uma política neoindustrial, cria financiamentos públicos para apoiar setores da indústria, estimula a volta de cientistas ao Brasil. Sem essas políticas não há como superar a pobreza e a desigualdade.

No entanto, o Brasil está inscrito no cenário internacional e inserido no que os Estados Unidos consideram seu quintal, sua área de influência e domínio. Em um mundo cheio de conflitos e tensões, buscar essa autonomia perante o imperialismo não é pouca coisa. A aproximação com a China, que já é seu principal parceiro comercial e também da América do Sul, pode exacerbar estes conflitos com o governo norte-americano, que já vê o Brasil com outros olhos, talvez o de um inimigo a ser enfrentado.

Para complicar mais esse cenário, temos os desafios do aquecimento global, dos eventos climáticos extremos, das mudanças no regime das chuvas, da desertificação e da exaustão de nossos recursos naturais. Tudo isso é consequência do modelo de desenvolvimento atual. Se continuarmos como uma economia primário-exportadora que se funda no agronegócio e na mineração, teremos condições de enfrentar esses desafios?

1 “Exportações no Brasil | Veja os principais produtos exportados”, Fazcomex, https://www.fazcomex.com.br/exportacao/exportacoes-no-brasil/.

2 Marcos Hermanson, “Por que a indústria de transformação tem a menor participação no PIB desde 1947?”, Brasil de Fato, 15 mar. 2019.

3 João Gabriel, “Agência de mineração tem anos marcados por tragédias e sonegação”, Folha de S.Paulo, 26 abr. 2024.

[Arte: Claudius]

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