25 maio 2024

Uma crônica de Rafaele Ribeiro

Acidente na alma
Rafele Ribeiro*
 
 
Nos primeiros dias, eu me sentia como vítima de acidente fatídico: múltiplas fraturas pelo corpo. 

Meu pulmão se esforçava para respirar, na esperança de levar oxigênio aos demais órgãos;
ali, ele só tentava respirar…mais nada. 

O ar é essencial para viver. Eu insistia.

E nessa tua despedida, eu me vi exatamente assim…mas não era fratura do corpo, não!

Era da alma. 

Ela se quebrou em minúsculos pedaços e eu nem mais ouvia meus batimentos…sim, não os ouvia porque meu coração estava entrelaçado ao teu e contigo seguiu.

Esse coração nem olhou pra trás. 

Só me deixou ausência no peito.

E eu entendo, afinal como ele poderia bater sem o ritmo do teu?

Do corpo, se socorre, se faz cirurgia e se reabilita.

Da alma, como se remenda?

Quem costura o sentimento para que ele possa trazer de volta o desejo de sonhar?

Balela é jogar todas as soluções das agruras da vida nas mãos do tempo.

Ele pode até ser capaz de contar as horas, mas das horas pra frente e levar para o futuro incerto.

Posso dizer que depois desses longos anos, meu coração voltou a morar no meu peito, de onde nunca nem deveria ter saído porque o encaixe aqui é perfeito.

Mas perfeito ele não ficou. Chegou cicatrizado. 

Assim como o umbigo representa no nosso corpo o rompimento do primeiro vínculo materno, a cicatriz no coração traduz a despedida prematura do teu adeus. 

[Ilustração: Marco Paludet]

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