16 junho 2024

Seleção brasileira: 2 ícones opostos

De Neymar a Vini Jr., há esperança

O rosto da seleção muda do egoísmo ostentador para o do lutador por causa nobre
Juca Kfouri/Folha de S. Paulo

 

Que a seleção brasileira sofre há muito de desamor e falta de vínculos com a torcida é sabido.

Os motivos são variados, e a participação de Neymar nisso é notória, principalmente entre os setores mais esclarecidos da sociedade.

Fosse ele um jogador solidário na seleção, alguém que jogasse coletivamente, sem a marca do cai-cai desde a Copa do Mundo na Rússia, as preferências fora do campo dele talvez passassem ao largo.

Neymar impôs seu modo egoísta de ser, submeteu Tite à sua dependência e protagonizou cenas lamentáveis como número 1 do time da CBF, em manifestações explícitas de novo-riquismo babaca e brega, ostentatório. Nada mais ridículo e revelador da pobreza interna do que a exposição da riqueza externa.

Vinicius Junior, a par de ser excelente jogador, não ainda do nível de Neymar, abraçou de corpo e alma a luta antirracista, a ponto de levar à condenação três cretinos espanhóis em Valência.

E cunhou a frase do ano: "Não sou vítima de racismo; sou algoz de racistas".

Neymar, lembremos, chegou a dizer, em 2010, que jamais havia sofrido com a questão racial ("até porque não sou negro"), embora anos depois tenha tomado atitudes menos alienadas em relação ao problema e se reconhecido negro em 2020.

Algodão entre cristais, nunca assumiu a luta antirracista, ao preferir fazer pregações marqueteiras pela paz.

Vini Jr., não. Fez da causa razão de ser, incansável, e virou referência mundial sobre o tema do racismo.

Sem que necessariamente uma coisa tenha a ver com a outra, resta agora assumir papel de relevância na seleção, à altura de sua capacidade técnica.

Até hoje não foi de amarelo o que é de branco, também porque, na Copa no Qatar, ficou exilado na ponta esquerda, para marcar laterais, como se não pudesse rivalizar com Neymar, o dono do time.

Contra a Croácia, 0 a 0 no placar, Tite o trocou por Rodrygo, aos 64 minutos, privando o time de seu talento decisivo em partida com prorrogação.

Carlo Ancelotti deve ter puxado os cabelos quando viu a substituição.

Para que Vini floresça, será preciso dar a ele as condições que tem no Real Madrid, e por aí passará a difícil, e improvável, decisão de Dorival Júnior em prescindir de Neymar, que tampona o madridista.

Felipão fez isso em 2002 com Romário, e deu certo.

Curioso como o futebol muda em poucos anos.

Em 2010, Dunga errou redondamente ao não levar Neymar e ficou sem alternativa ao procurar alguém no banco para tentar reagir diante da Holanda. É célebre a cena do treinador de braços abertos olhando para Jorginho, ambos impotentes, porque não tinha ninguém de truz para entrar.

Desejado em 10, vitimado em 14, ridicularizado em 18 e eliminado em 22, Neymar chega a 2024 como indesejado para a renovação necessária à seleção.

Neymar é o retrato de um tempo a ser esquecido, sombrio, triste, individualista, deprimente mesmo.

Vini é a esperança de redenção, de liderança positiva, coletiva, de alguém que sabe ser o futebol mais que um jogo, uma imitação da vida.

Ele não tem as características do "uomo-squadra", como definem os italianos, mas, de tão decisivo, pode ser protagonista se bem utilizado e servido.

Veremos na Copa América se o ex-menino do Flamengo terá as condições para ser o que é em seu clube, onde teve papel fundamental na conquista da Champions League.

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