03 julho 2024

Enio Lins opina

A França da Resistência contra a França de Vichy
Enio Lins   

Assombra o mundo civilizado o frisson da extrema-direita na França, em (desculpem a cacofonia) franco crescimento há várias eleições. Mas o susto seria menor se maior fosse a leitura sobre a história da pátria de Joana d’Arc, Robespierre, Voltaire, Olympe de Gouges, Balzac, Proudhon, Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, de Jean Moulin e da brava resistência aos nazistas... que é a mesma pátria dos reis Luízes, Madame de Pompadour, Pétain, Laval e inúmeros colaboracionistas com a ocupação nazista. Não é novidade.

ABERTAMENTE RACISTAS

Uma das peças da publicidade eleitoral de uma das siglas da extrema-direita, o Partido da França, usou o slogan “Vamos dar um futuro às crianças brancas” na região de Lorraine, onde outro cartaz dessa agremiação exibiu a frase “Deixe-os voltar para a África” sobre uma foto de uma multidão de pessoas negras embarcando num avião. Thomas Joly, presidente do PF, em postagem no ex-Twitter, exultou: “a campanha ‘Vamos dar um futuro às crianças brancas’ foi um verdadeiro sucesso e o estoque está esgotado. Decidimos realizar uma reimpressão para satisfazer a todos os pedidos”. Apesar de causar engulhos aos estômagos democráticos, esse ideário racista e xenófobo é a própria flora intestinal neofascista, agora assumida com flatulência ruidosa.

FASCISMO FRANCÊS CONTEMPORÂNEO

Legítima herdeira do Regime de Vichy, a extrema-direita francesa exibe presença eleitoral significativa há décadas, e comemora o sucesso no primeiro turno das eleições parlamentares deste ano, além de um grande salto nos votos para o Parlamento Europeu. Sucessos esses creditados à líder Marion Anne Perrine Le Pen, vulga Marine, filha do ultradireitista Jean-Marie Le Pen. Ela disputou bem as eleições presidenciais francesas nos últimos três pleitos, em 2012 (terceiro lugar), 2017 (segundo lugar) e 2022 (segundo lugar), enquanto seu pai foi candidato por cinco vezes à presidência da França, em 1974, 1988, 1995, 2002 (quando foi para o segundo turno e perdeu para Jacques Chirac) e 2007. Jean-Marie Le Pen chegou a defender Pétain e, diz a Wikipédia que, em 1968, sua gravadora Serp “foi condenada a ‘pedir desculpas por cumplicidade com crime de guerra’ após divulgação de canções do Terceiro Reich, gravação cuja capa continha uma mensagem promovendo a ascensão de Hitler na Alemanha”. Os Le Pen não surgiram de uma hora para outra, nem são fenômeno passageiro, são continuidade, são a banda podre da França.

PERIGO MUNDIAL

Assim como a Revolução Francesa mudou o mundo em 1789, o reacionarismo francês influencia o globo em medida semelhante. O colaboracionismo foi a mais vergonhosa capitulação ao nazismo em toda II Guerra e a França do general De Gaulle não soube honrar a memória da França do partisan Jean Moulin (líder da resistência, traído por franceses e executado pelos nazistas em 8 de julho de 1943, cujo corpo nunca foi sequer encontrado). Os colaboracionistas franceses, salvo exceções como Pierre Laval (julgado e executado) jamais foram identificados, julgados e punidos na extensão de sua traição – os processos sumiram, segundo denúncias, por determinação do próprio De Gaulle, conforme pode ser lido em importante resumo feito por Carlos Russo Júnior, publicado no site operamundi. Para os corações e mentes francesas verdadeiramente humanistas está colocada, para o bem do resto do mundo, a missão de se unirem (centro-direita, centro, centro-esquerda, esquerda) e impedirem que a morta-viva França de Vichy saia de seu sarcófago fascista.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/07/minha-opiniaoresistencia-na-franca.html

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