07 julho 2024

Enio Lins opina

França da Resistência x França Colaboracionista
Enio Lins 

Hoje a França vai às urnas, em mais uma eleição emblemática para o mundo inteiro. No centro das atenções, o impactante crescimento da extrema-direita – não só em território francês, mas em vários outros países importantes na geopolítica contemporânea, como no poderosíssimo Estados Unidos, onde o acanalhado Trump avança (com apoio de uma Suprema Corte direitista) para mais um desgoverno na Casa Branca.

Mas a França é especialmente significativa por conta do mito mundial sobre a história (falsamente progressista) da terra dos gauleses. Se recordarmos a saga de Asterix, notaremos que, nos tempos de César, a maioria da população nativa havia aderido aos invasores romanos e apenas uma aldeia resistia brava e incondicionalmente (numa alusão óbvia a pequenez numérica de franceses que formaram a Resistência durante a ocupação nazista entre maio de 1940 e dezembro de 1944).

Se essa questão vergonhosa na história francesa não for compreendida, não se compreenderá o porquê dos avanços da extrema-direita, herdeira do nazifascismo, na França (e em tantos outros lugares do mundo). Asterix e Obelix, na ficção de Goscinny e Uderzo, são personagens replicadas na vida real em tantos heróis e heroínas que nem cabe aqui tentar fazer um resumo – mesmo que só tentássemos listar as militâncias armadas mais destacadas de La Résistance. Mas essa parcela heroica sempre foi minoria. Só para ficarmos no quadro da II Grande Guerra, onde as questões ideológicas foram predominantes, mesmo antes da capitulação patética das forças armadas francesas frente às tropas alemães, a extrema-direita já demonstrava grande força na França e quando Hitler, pessoalmente, passeou pelas ruas parisienses, se sentiu em casa, e o sorriso do Marechal Pétain ao apertar a mão do Führer é a própria expressão da subserviência e bajulação. A maioria da população francesa conviveu feliz e colaborativamente com os nazistas durante os quatro anos e sete meses da famigerada República de Vichy. E quando a derrota nazista se confirmou, grupos de desqualificados passaram a expressar sua misoginia perseguindo e humilhando em público algumas mulheres que teriam namorado alemães durante a ocupação, como se essas jovens tivessem feito algo diferente do resto da população colaboracionista. Pétain, no pós-guerra, apesar de umas condenações de fachada, foi tratado com toda cortesia e o próprio general De Gaulle teria determinado a destruição dos inquéritos sobre as principais personalidad es colaboracionistas francesas. Ficou o dito pelo não dito. E o nazifascismo francês voltou à ativa o mais rápido que pode.

Hoje, na França repete-se, novamente, o conteúdo da luta entre o ideário de Vichy e a ideologia de La Résistance. Veremos se o resultado será diferente do visto entre 1940 e 1944. Por via das dúvidas, é bom ouvirmos (mesmo quem não saiba francês) a canção “La Complainte du Partisan” (O Lamento do Partisan), composta pela combatente Anna Marly (1917/2006) com letra de Emmanuel d’Astier (1900/1969), e disponível no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=uTMe6-6VSuQ

Enfim, sempre, Vive La Résistance!!!

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