Reordenamento dos
velhos centros das cidades: revitalização, qualificação e sustentabilidade econômica
Cláudio Carraly*
Os centros das capitais brasileiras, em grande parte edificados durante as décadas de 1960 e 1970, refletem hoje um paradoxo urbano, projetados para atender às necessidades de uma época marcada pelo crescimento acelerado e pela modernização das cidades, esses espaços, que já foram o epicentro do comércio, da vida cultural e do cotidiano urbano, hoje enfrentam desafios complexos como degradação física, obsolescência da infraestrutura, esvaziamento populacional e migração de empresas para outras áreas da cidade. Para transformar os centros das cidades brasileiras em áreas revitalizadas, qualificadas e economicamente sustentáveis, é necessário adotar uma abordagem inovadora e integrada que vá além das soluções tradicionais.
Os centros das
capitais brasileiras passaram por um processo de expansão e verticalização no
passado, em um período de intensas transformações urbanas marcadas pelo
desenvolvimentismo e pela industrialização. Porém, essas áreas, que
inicialmente concentravam serviços, comércios e atividades culturais, começaram
a enfrentar um processo de degradação e esvaziamento a partir das décadas
seguintes, a expansão das cidades em direção às periferias, o aumento do uso de
automóveis particulares, a construção de shoppings, mudanças de hábitos de
consumo afastaram a população dos antigos centros.
Hoje, muitos
centros urbanos encontram-se subutilizados, com imóveis vazios ou em mau estado
de conservação, ruas desertas após o horário comercial e uma sensação
generalizada de insegurança, a queda do valor imobiliário, a falta de
infraestrutura adequada, estacionamentos, e a ausência de uma estratégia clara
de revitalização têm contribuído para o agravamento desse cenário. Para
reverter essa situação, é necessário um novo olhar que valorize a diversidade,
a inclusão e a sustentabilidade, adaptando as soluções às características
específicas de cada capital brasileira.
Uma das chaves para
revitalizar os centros urbanos é promover a densificação inteligente e o uso
misto dos espaços. Isso significa criar cidades mais compactas, onde diferentes
usos — como habitação, comércio, lazer e serviços — coexistam de forma
harmônica. Essa abordagem torna os centros mais vibrantes e reduz a necessidade
de longos deslocamentos, promovendo uma vida urbana mais integrada e
sustentável. Os centros das capitais brasileiras possuem uma grande quantidade
de edifícios antigos e subutilizados, muitos dos quais poderiam ser
transformados para novas funções.
Incentivos fiscais,
financiamentos facilitados e parcerias público-privadas são fundamentais para
viabilizar a reforma desses imóveis, convertendo-os em habitações acessíveis,
escritórios modernos, escritórios compartilhados ou espaços culturais. Para
revitalizar os centros, é essencial atrair uma população diversificada que
viva, trabalhe e consuma nesses espaços, políticas de incentivo à moradia no
centro, com foco em habitação de interesse social e preços diferenciados, podem
atrair jovens, estudantes, profissionais e famílias, fomentando uma nova
dinâmica urbana, programas como o "Minha Casa, Minha Vida Urbano” poderiam
ser adaptados para focar na requalificação de edifícios centrais, associando
subsídios à ocupação sustentável dos centros, e financiamento focado em imóveis
usados.
Os espaços públicos
são o coração de qualquer cidade vibrante, praças, parques, ruas e calçadas
desempenham um papel central na vida urbana, oferecendo locais para encontros,
lazer e atividades comunitárias. Investir na requalificação de praças, parques
e áreas públicas é essencial para reavivar os centros, isso inclui não apenas
melhorias estéticas, como paisagismo e mobiliário urbano, mas também a
implementação de infraestrutura que promova a acessibilidade universal, como
rampas, calçadas amplas, áreas de convivência e espaços para atividades
culturais e esportivas. O exemplo da Praça Mauá, no Rio de Janeiro, que foi
revitalizada como parte do projeto Porto Maravilha, demonstra o potencial de
transformação de áreas centrais degradadas em espaços vibrantes e atrativos.
A sensação de
insegurança é um dos maiores obstáculos para a revitalização dos centros das
cidades brasileiras, melhorar a iluminação pública, aumentar o policiamento
comunitário e adotar tecnologias de vigilância inteligente, como câmeras
conectadas a centros de monitoramento, são medidas que podem tornar esses
espaços mais seguros e acolhedores. Além disso, a presença constante de pessoas
nas ruas, seja por meio de eventos culturais ou pela promoção da economia
noturna, contribui significativamente para a segurança pública, a população
tomando de volta a rua como sua, demonstrando seu pertencimento é sempre a
melhor forma de segurança, mas isso não é possível sem ação inicial e direta do
poder publico.
A ativação dos
espaços públicos por meio de programas culturais e eventos é sempre uma
estratégia eficaz para atrair pessoas de volta aos centros urbanos, um roteiro
conhecido de festivais, feiras, exposições de arte, shows e outros eventos
podem transformar praças e ruas em pontos de encontro vibrantes, estimulando a
economia local e criando um senso de comunidade. Cidades como São Paulo têm
mostrado como eventos como a Virada Cultural podem atrair milhares de pessoas
para o centro, revitalizando o comércio e os serviços locais, mas além de grande
festivais pontuais, atividades permanentes durante todo ano também são
necessárias.
A mobilidade é um
dos fatores críticos para a reordenação dos centros urbanos. Facilitar o acesso
e a circulação dentro desses espaços é fundamental para atrair moradores,
trabalhadores e visitantes. Investir em sistemas de transporte público
eficientes, integrados e sustentáveis é essencial para revitalizar os velhos
centros. Modelos como a qualificação e expansão das linhas do dos metrôs, BRT (Bus
Rapid Transit), VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e corredores exclusivos
para ônibus são exemplos de como o transporte público pode ser modernizado para
atender às necessidades contemporâneas, o sistema de transporte integrado tem
sido um modelo bem utilizado no mundo, demonstrando como um bom planejamento
pode reduzir o uso de automóveis particulares e melhorar a qualidade de vida
urbana.
Priorizar o
pedestre e o ciclista é uma estratégia que vai ao encontro das tendências
globais de mobilidade urbana sustentável, isso inclui a ampliação de calçadas,
a criação de ciclovias seguras e a redução do espaço destinado aos automóveis
particulares. A cidade de Bogotá, na Colômbia, é um exemplo inspirador de como
a priorização da mobilidade ativa pode transformar a dinâmica urbana e promover
uma convivência mais saudável e sustentável e como esse tipo de modal de
transporte e mais eficiente, limpo e democrático do que muitos gestores
imaginam.
A economia criativa
e a inovação tecnológica são motores poderosos para a revitalização urbana, ao
atrair empresas de tecnologia, startups, espaços de coworking e hubs de
inovação para os centros urbanos, é possível criar um ambiente dinâmico que
estimula o empreendedorismo e a criatividade. Transformar edifícios
subutilizados em espaços para inovação e empreendedorismo pode atrair jovens
talentos e empresas criativas para o centro.
Cidades como
Lisboa, em Portugal, têm apostado na criação de hubs de inovação que reúnem
startups, incubadoras e aceleradoras, revitalizando áreas antes degradadas e
impulsionando a economia local, no Brasil, iniciativas como o Porto Digital em
Recife demonstram como é possível transformar áreas centrais em polos de
inovação e tecnologia, no caso do Recife o Porto Digital pelo seu potencial,
poderia se espraiar e tomar pra si parte significativa do centro da cidade,
hoje subutilizado.
A cultura é um dos
maiores ativos dos centros urbanos, preservar e valorizar o patrimônio
histórico, transformando edifícios antigos em museus, centros culturais,
galerias de arte e espaços de convivência, é uma forma de conectar o passado ao
presente e atrair tanto moradores quanto turistas, os centros históricos podem
ser exemplos de como a valorização do patrimônio pode impulsionar o turismo e a
economia local. Também a promoção de uma economia noturna vibrante, com bares,
restaurantes, teatros e outros espaços de lazer abertos até tarde e fundamental
para dar vida aos centros, a economia noturna não apenas diversifica as opções
de lazer, mas também aumenta a sensação de segurança, já que a presença de
pessoas nas ruas contribui para esse fenômeno.
A sustentabilidade
deve estar no cerne de qualquer estratégia de reordenação urbana, a adoção de
práticas sustentáveis não só melhora a qualidade de vida nos centros urbanos,
mas também os torna mais resilientes às mudanças climáticas e aos desafios
ambientais. Integrar infraestrutura verde, como telhados verdes, jardins
verticais, parques lineares e sistemas de drenagem sustentável, é uma forma de
mitigar os efeitos das ilhas de calor, melhorar a qualidade do ar e aumentar a
resiliência urbana. A revitalização do rio Cheonggyecheon em
Seul, Coreia do Sul, é um exemplo marcante de como a integração de soluções
baseadas na natureza pode transformar áreas urbanas densas em espaços mais
habitáveis. O projeto não só restaurou o rio que havia sido coberto por uma
rodovia, mas também criou um parque linear que se tornou um dos principais
pontos de encontro da cidade, e uma atração turística, melhorando o microclima
e proporcionando um espaço verde no coração da capital.
Promover a
eficiência energética nos edifícios dos centros urbanos é essencial para
reduzir o impacto ambiental e melhorar a qualidade de vida, isso pode incluir o
uso de tecnologias como painéis solares, sistemas de reaproveitamento de água,
isolamento térmico e iluminação eficiente. Incentivar a certificação ambiental
de edifícios, como o selo LEED (Leadership in Energy and Environmental
Design), é uma maneira de garantir que novas construções e reformas sigam
padrões elevados de sustentabilidade, políticas rigorosas de eficiência
energética têm levado à construção de edifícios que não apenas consomem menos
energia, mas também oferecem ambientes internos mais saudáveis para os
ocupantes, abrir linhas de créditos para que edifícios antigos se modernizem nesse
sentido é fundamental.
A gestão adequada
de resíduos e a promoção da reciclagem são componentes críticos para a
sustentabilidade dos centros urbanos. Implementar sistemas eficientes de coleta
seletiva, reciclagem e compostagem, além de incentivar a redução do uso de
materiais descartáveis, pode ajudar a reduzir a pressão sobre aterros
sanitários e promover uma economia circular, iniciativas como as “eco-ilhas”,
que são pontos de coleta automatizados para diferentes tipos de resíduos,
mostram como a tecnologia pode facilitar a gestão ambiental em áreas densamente
povoadas.
Para que as
estratégias de reordenação dos centros urbanos sejam bem-sucedidas, é
fundamental envolver a comunidade local em todas as etapas do processo, a
participação cidadã garante que as intervenções urbanas atendam às necessidades
reais dos moradores e fortaleçam o senso de pertencimento e responsabilidade
coletiva sobre o espaço urbano. Utilizar plataformas online para consultas
públicas, enquetes e reuniões virtuais pode ampliar o alcance do engajamento
comunitário, permitindo que mais pessoas contribuam com ideias e feedbacks,
facilitando o acesso para que a sociedade participe ativamente na tomada de
decisões sobre projetos urbanos, assegurando que as vozes da comunidade sejam
ouvidas e realmente consideradas.
Programas de
educação ambiental que envolvam escolas, comunidades e organizações locais são
essenciais para construir uma consciência coletiva sobre a importância da
sustentabilidade e do cuidado com o espaço urbano. Promover projetos
colaborativos, como hortas urbanas, feiras comunitárias, pode reforçar os laços
sociais e transformar espaços subutilizados em áreas vivas e produtivas
ajudando na transformação urbana, levando a resultados positivos, como a
redução da violência e o aumento da coesão social e sentimento de
pertencimento.
A revitalização dos
centros das capitais brasileiras é um desafio complexo, mas repleto de
oportunidades, ao adotar uma abordagem integrada que valorize a densificação
inteligente, a mobilidade sustentável, a economia criativa, a sustentabilidade
ambiental e o engajamento comunitário, é possível transformar esses espaços em
áreas vibrantes, inclusivas e economicamente sustentáveis, devolvendo a vida
aos nossos antigos centros. Os exemplos mostram que é possível a revitalização
com sucesso, desde que haja um planejamento estratégico e uma articulação
eficaz entre governo, setor privado e sociedade civil.
Com uma visão clara
e ações coordenadas, os centros urbanos podem se tornar novamente o coração
pulsante das cidades, promovendo qualidade de vida, inclusão social e
prosperidade econômica para todos os seus habitantes. Essa transformação não é
apenas uma questão de infraestrutura, mas de repensar a cidade como um espaço
para todos, onde a diversidade e a sustentabilidade são as bases para um futuro
mais justo e resiliente, com olhar direcionado para as pessoas. Ao final, o
futuro dos centros das capitais brasileiras depende de um compromisso coletivo
com a inovação e a sustentabilidade, construindo cidades que não apenas atendam
às necessidades apenas de hoje, mas que estejam preparadas para os desafios do
amanhã.
*Avogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
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