30 setembro 2024

Pressões do mercado

Faria Lima e as contas públicas: entre a sinfonia e o cancan
Aí, esse país de patos ouve a trombeta de Josué: se a relação dívida/PIB aumentou, tem que aumentar os juros
Luis Nassif/Jornal GGN  

Como seria a Sinfonia das Contas Públicas pela Faria Lima, se o autor fosse Dmitri Shostakovich e suas sinfonias pessimistas e pesadas? 

Acompanhe a parte do bom conteúdo da reportagem “Economistas falam em ‘matemágica fiscal’, ‘gosto amargo’ e ‘baixa sensibilidade’ do governo em revisão das contas públicas”, do Valor Econômico, com o subtítulo “Atualização para baixo no contingenciamento surpreendeu negativamente e pode piorar reação do mercado” 

Primeiro movimento – Allegro (rápido 

Chama-se Allegro porque é apenas rápido. Mas, para a Faria Lima, é aberta com tragédia, como uma 8a Sinfonia de Beethoven, porque é o que vai ficar na memória dos leitores que lêem jornais com a profundidade com que leem gibis: absorvem a manchete, e olhe lá.  

Aliás, se submetidos ao teste das palavras (fala uma palavra, diga o que lhe vem à cabeça) o resultado geral seria o mesmo, na alegria e na tristeza, na chuva ou no sol. 

Palavra– Militares. 

Resposta – Mal-estar  

Palavra– mercado 

Resposta – Desconforto; 

Prossegue o texto: 

Argumento fatalista 1 – “Economistas falam em ‘matemágica fiscal’, ‘gosto amargo’ e ‘baixa sensibilidade’ do governo em revisão das contas públicas” 

Argumento fatalista 2 – A revisão bimestral do orçamento para 2024 apresentada ontem pelo governo surpreendeu negativamente economistas e deve pressionar os ativos domésticos no início da próxima semana.  

Fim do primeiro ato, detalhando o rabo e os chifres do diabo: 

“Houve avanços na estimação de algumas receitas e certas despesas e o cumprimento da meta de resultado primário deste ano ainda está “ao alcance da mão”.

Mas… 

“mas o governo perdeu a oportunidade de realizar um bloqueio maior de despesas que tornasse a projeção de gastos mais crível, o que deixou uma impressão de piora entre analistas e deve exigir um bloqueio mais forte no último relatório do ano, previsto para 22 de novembro.

Fim do primeiro ato. 

Segundo ato – Andante 

A sinfonia prossegue apresentando, agora em segundo plano, pontos positivos do pacote (fale baixo que alguém pode ouvir). 

Ruim ma non troppo –  vai exigir um bloqueio mais forte no último relatório, apenas isso. Como são analistas estáticos, que vivem intensamente o hoje, mas apanham para entender as consequências de hoje sobre amanhã, admitem que o PIB virá melhor mas não ousam projeções sobre os efeitos do PIB mas sobre as receitas. Afinal, já fizeram suas previsões e não será um PIB qualquer que irá atrapalhá-lo. Quando for divulgado o PIB maior, todos corrigirão suas estimativas ao mesmo tempo, e o erro será diluído. 

Se deixo o ajuste maior para o fim, significa que o ajuste menor agora terá um efeito maior sobre o PIB. Logo o ajuste no fim será menor. Mas significaria complicar a mensagem a ser passada ao jornalismo-sela – o que se deixa cavalgar. 

Minueto ou Scherzo 

Aí resolve botar um pouco de números para a discussão ficar menos vaga e o minueto permitir mais pessoas entrarem na dança. E descobre-se que todo o escarcéu (o desconforto) foi provocado porque o contingenciamento fiscal para 2024 foi afrouxado para R$ 1,7 bilhão, contra uma expectativa de US$ 5 a US$ 10 bilhões do mercado. 

Como o mercado ficou frustrado, para melhorar seu ânimo o Copom aumentou a Selic em 0,25 ponto a Selic. Esse 0,25 ponto representa um aumento de R$ 9,5 bilhões na dívida pública. Mas o aumento vai para o bolso da Faria Lima, aumentando a dívida pública mas reduzindo o desconforto 

Ou seja, para punir um afrouxamento de R$ 1,7 bilhão nos gatos públicos, aumenta-se a dívida pública em R$ 9,5 bilhões. Por enquanto, se não vierem mais aumentos. 

É o chamado princípio de Sísifo – o gigante condenado eternamente a empurrar uma pedra em uma montanha para a pedra cair e ele iniciar novamente seu trabalho.  

Aí, esse país de patos ouve a trombeta de Josué: se a relação dívida/PIB aumentou, tem que aumentar os juros. 

Depois de desenhar o Brasil liquidado, a reportagem coloca alguns contrapontos otimistas, para evitar que ocorra um suicídio coletivo de leitores: 

Daí o grande pensadora Andrea Damico, CEO da Buydebrazil, sentencia: “Tem alguns pontos mais construtivos, mas, no geral, liquidamente, a surpresa foi um pouco pior”. De véspera de fim de mundo chegou-se a um quadro em que os pontos negativos foram apenas um pouco pior do que os otimistas, 

Contenção orçamentária – A contenção orçamentária total (bloqueio e contingenciamento) caiu de R$ 15 bilhões anunciados em julho para R$ 13,3 bilhões agora.  O fiscal aumentou as contas em U$ 1,7 bilhão. 0,25% de aumento da Selic pressionou a dívida em US$ 9,5 bilhão. 

No entanto, com a sensibilidade de um general israelense, a economista Debora Nogueira, da Tenax Capital, mostra as virtudes do bombardeio para contar a guerra: “Reverter o contingenciamento em um momento em que as despesas ainda não estão devidamente ajustadas e a economia se mostra forte, enquanto o ciclo de ajuste de juros está apenas começando, revela uma baixa sensibilidade do planejador diante de uma economia desequilibrada. O fiscal continua expansionista, enquanto a política monetária tenta contrair”. 
Itali França, do Santander, explicando que, apesar de todas as 7 pragas do Egito da Faria Lima, o tal do mundo não vai se acabar: 

“No geral, foi uma surpresa negativa no resultado [do relatório bimestral de setembro]. Embora ainda vejamos uma chance considerável de atingir a meta neste ano, temos mais despesas não sujeitas ao limite de gastos, menor espaço para surpresas negativas e dependência de receitas extraordinárias”. 

Ou seja, vê uma chance considerável de atingir a meta este ano. Entenderam alguma coisa? Nem os jornalistas-papagaios. O que vale é o tom de fim de mundo. 

Finale

Aí a Damico, depois de prever o fim do mundo, colocou uma “pequena” ressalva salvadora:  

“A receita, de fato, tem um crescimento endógeno, justificado pela atividade econômica mais resiliente. A projeção de PIB para 2024 chegou a ser de 2% e já está em 3% em pouquíssimo tempo. A arrecadação precisa refletir isso, isso é uma melhora genuína”. 

O PIB maior amortece a queda de R$ 26 bilhões nas receitas administradas esperadas, nota Leal de Barros, da ARX. “O imposto inflacionário também ajuda a amortecer o recuo, via maior IPCA”, diz, em referência à projeção de inflação do governo, que foi de 3,9% para 4,25%.  

A estimativa de arrecadação com o Carf, por sua vez, foi cortada de R$ 37 bilhões para apenas R$ 800 milhões, o que economistas consideraram que é uma projeção bem mais realista.  

Chicoli, da Citrino, reconhece uma melhora na composição dos números. “Na parte de receita, praticamente zeraram o Carf, mas a parte de concessões ainda me parece alta, apesar de terem reduzido também”, afirma. “Entraram algumas receitas da compensação da folha, que tenho dúvida do potencial arrecadatório, mas que, de qualquer forma, são mais factíveis do que o Carf.” 

Do outro lado, a despesa total aumentou em R$ 11,8 bilhões, com os gastos previdenciários subindo em R$ 8,3 bilhões. “Ainda me parece insuficiente, mas houve uma melhora nessa conta”, diz Chicoli.  

“Ao final, me parece que ainda temos receitas superestimadas, mas houve uma melhora na composição, e as despesas obrigatórias também continuam subestimadas, mas também houve um avanço”, conclui Chicoli.  

Conclusão 

O título é a parte mais importante da matéria, mostra a grande conclusão, o que receberá maior leitura e ajudará a formar a opinião dos gados de jornais– que existem e são muitos. 

A Sinfonia no 5 de Beethoven é considerada apenas pelo 1o Movimento. 

Suponha que o Valor se baseasse na última parte para manchetar:  

“Mercado elogia a melhora na composição das despesas obrigatórias”. 

“Mercado estima que previsão de contas públicas melhoraram”. 

“O crescimento do PIB trará uma melhora genuina na arrecadação, estima mercado”. 

Grande encerramento 

Ilustração: Toulouse-Lautrec

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/09/minha-opiniao-favor-de-quem.html 

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