29 outubro 2024

George Câmara opina

Loteamentos fechados: novas periferias urbanas?
A expansão dos condomínios fechados evidencia a desigualdade social e a ineficiência estatal, enquanto privatiza ganhos para poucos e socializa custos para a maioria
George Câmara*/Vermelho  

A expansão e consolidação dos loteamentos fechados nas nossas cidades e regiões metropolitanas vão revelando a ineficiência das instituições públicas ao descumprirem a sua função, atribuída pela Constituição Federal, de garantir a segurança e a proteção da população.

O ajuste neoliberal das décadas de 1980 e 1990 – modelo imposto a países dependentes, como o Brasil, pelo chamado “Consenso de Washington” – no contexto da globalização da economia sob o domínio dos países centrais, promoveu a reestruturação das relações sociais, provocando uma verdadeira ruptura social.

Passamos a ter, de um lado, um reduzido conjunto de “ganhadores” que consegue se adequar ao modelo econômico vigente e, de outro, um numeroso conjunto de “perdedores” excluídos do processo. Como resultado, aprofunda-se a enorme disparidade entre as diferentes classes sociais. 

No cenário daí decorrente também se altera o papel do Estado que, mesmo no contexto anterior, já não dava conta de suprir as necessidades básicas de uma população marcada pela pobreza e exclusão social e que agora, passando a estado mínimo, deixa de realizar investimentos em importantes áreas, ficando apenas como gerenciador de alguns serviços.

Passa o Estado, assim, a atuar somente como um órgão regulador e provedor de bens e serviços básicos. Tal política vai gerar um efeito cascata, afetando os diferentes níveis sociais e, consequentemente, provocando o aumento da violência e da insegurança.

A ineficiência das instituições públicas em garantir a segurança e proteger a população acaba levando as classes de maior poder aquisitivo a se isolarem em suas residências. Dessa forma, uma das consequências é o visível processo de expansão e consolidação de condomínios fechados. 

As empresas do setor de construção civil e os agentes imobiliários criam, por sua vez, estratégias de marketing e venda confrontando a tranquilidade, a qualidade de vida e o meio ambiente saudável versus o caos urbano, aproveitando o contexto de desproteção e de ineficiência do poder público.

Em algumas capitais e cidades de maior porte pelo Brasil afora surgem até fantasias do tipo “Bairro Privado”, conceito absurdamente irreal, pois não existe nenhum assentamento humano sem a necessária prestação de serviços públicos essenciais e sem a presença do poder público para cuidar do bem-estar das pessoas.

Essa nova dinâmica tem provocado uma segregação socioespacial nas principais cidades brasileiras e na América Latina. A individualização e a dispersão das pessoas impõem uma nova concentração urbana, sobretudo nas periferias, criando as chamadas novas urbanizações. Para o Professor Manuel Castells é uma dispersão urbana, a chamada “dissolução da cidade”.

Com a construção de condomínios fechados longe das áreas centrais, surge a necessidade de se dotar a cidade de uma infraestrutura capaz de dar conta de novas necessidades: abastecimento de água, esgotamento sanitário, vias de acesso, iluminação pública, entre outras. Isso acaba onerando o orçamento público, levando ao redirecionamento de recursos para tal.

É bom lembrar que a “nova cidade” poderá custar caro para o conjunto da população. Quem paga a conta? Os chamados incorporadores imobiliários que venderam os empreendimentos? Os setores mais carentes, submetidos ao risco de realocação de despesas com obras em áreas antes não previstas? O bolso dos contribuintes, com elevação de tributos?

A prevalecer tal lógica, podemos cair numa armadilha: particularizar os ganhos para uma minoria e universalizar os prejuízos para a maioria do povo.

Leia: 'A construção nossa de cada dia' https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/01/minha-opiniao_30.html

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