Praças de nossas vidas*
Luciano Siqueira
A cidade e suas praças. Lugares que tingem o tempo, marcando fatos e emoções coletivas; vincando em nossa alma nossas próprias experiências.
Na infância, em Natal, ir às tardes de domingo à Praça Pedro Velho era um deslumbre. Esculturas de bichos talhadas nos pés de fícus por jardineiros habilidosos inspiravam minhas fantasias de menino. As retretas. O amendoim torrado, o sorvete de coco ou de maracujá ou de baunilha. As fotos de família. Minha mãe, que faleceu aos 93 anos, conservou esmaecido álbum em que os filhos e a única filha posam em bancos de jardim da velha praça.
Uma noite, já adolescente e estudante do Atheneu, ali próximo da águia, na esquina, o estampido e o alvoroço causado pelo suicida anônimo. “Rapaz tão jovem, deve ser coisa de amor incompreendido”, ouvi de uma senhora triste.
As cidades se modernizam. Mutações se sucedem na ocupação e no uso que as pessoas fazem do território. Em favor do progresso, rasgam-se avenidas, mudam-se paisagens. A vida ganha outro ritmo, sob o embalo da concorrência, da TV e na internet. Tudo por um lugar ao sol, que está difícil. E para não correr riscos, que a insegurança é geral, usamos o telefone e o e-mail e, sobretudo, o WhatsApp – visitas aos amigos podem esperar.
Mas as praças continuam necessárias. Quando restauradas, logo crianças ocupam os brinquedos, adultos se entregam ao tabuleiro de damas ou de dominó. É uma festa na boquinha da noite.
O Recife tem quase três centenas de praças – grandes, médias e pequenas; praças simples, concebidas por arquitetos e paisagistas quase desconhecidos e praças monumentais, assinadas por Burle Marx . Mais de cento e sessenta são adotadas por instituições e empresas, que delas cuidam o ano inteiro e as ornamentam no período natalino.
A Praça Fernando Figueira, na Ilha do Leite, para mim tem um significado muito particular. Belíssima. Gosto de vê-la, ainda que de passagem.
Luciano Siqueira
A cidade e suas praças. Lugares que tingem o tempo, marcando fatos e emoções coletivas; vincando em nossa alma nossas próprias experiências.
Na infância, em Natal, ir às tardes de domingo à Praça Pedro Velho era um deslumbre. Esculturas de bichos talhadas nos pés de fícus por jardineiros habilidosos inspiravam minhas fantasias de menino. As retretas. O amendoim torrado, o sorvete de coco ou de maracujá ou de baunilha. As fotos de família. Minha mãe, que faleceu aos 93 anos, conservou esmaecido álbum em que os filhos e a única filha posam em bancos de jardim da velha praça.
Uma noite, já adolescente e estudante do Atheneu, ali próximo da águia, na esquina, o estampido e o alvoroço causado pelo suicida anônimo. “Rapaz tão jovem, deve ser coisa de amor incompreendido”, ouvi de uma senhora triste.
As cidades se modernizam. Mutações se sucedem na ocupação e no uso que as pessoas fazem do território. Em favor do progresso, rasgam-se avenidas, mudam-se paisagens. A vida ganha outro ritmo, sob o embalo da concorrência, da TV e na internet. Tudo por um lugar ao sol, que está difícil. E para não correr riscos, que a insegurança é geral, usamos o telefone e o e-mail e, sobretudo, o WhatsApp – visitas aos amigos podem esperar.
Mas as praças continuam necessárias. Quando restauradas, logo crianças ocupam os brinquedos, adultos se entregam ao tabuleiro de damas ou de dominó. É uma festa na boquinha da noite.
O Recife tem quase três centenas de praças – grandes, médias e pequenas; praças simples, concebidas por arquitetos e paisagistas quase desconhecidos e praças monumentais, assinadas por Burle Marx . Mais de cento e sessenta são adotadas por instituições e empresas, que delas cuidam o ano inteiro e as ornamentam no período natalino.
A Praça Fernando Figueira, na Ilha do Leite, para mim tem um significado muito particular. Belíssima. Gosto de vê-la, ainda que de passagem.
Fernando Figueira, meu professor de pediatria, no final dos anos sessenta marcou a minha vida e a de mais trinta e seis colegas ao presidir o inquérito que nos livrou da cassação sumária do direito de estudar por três anos, como desejava o general Souto Malan, então comandante do IV Exército.
Em plena ditadura militar, a peça por ele apresentada à Congregação da Faculdade é um manifesto contundente em defesa da liberdade de expressão, da autonomia universitária e da democracia. Sob comoção, por unanimidade ficou decidido que nenhum aluno seria cassado.
Fui cassado, junto com os colegas Marcos Burle e Alírio Guerra, um mês após, em período de férias, por ato solitário do vice-diretor. Mas ficou para sempre a bela página inscrita na História pelo professor Fernando Figueira.
Aquela praça vejo como expressão da sempre viva luta pela Liberdade.
Em plena ditadura militar, a peça por ele apresentada à Congregação da Faculdade é um manifesto contundente em defesa da liberdade de expressão, da autonomia universitária e da democracia. Sob comoção, por unanimidade ficou decidido que nenhum aluno seria cassado.
Fui cassado, junto com os colegas Marcos Burle e Alírio Guerra, um mês após, em período de férias, por ato solitário do vice-diretor. Mas ficou para sempre a bela página inscrita na História pelo professor Fernando Figueira.
Aquela praça vejo como expressão da sempre viva luta pela Liberdade.
Foto: Praça Professor Fernando Figueira/https://pt.foursquare.com/
*Texto da minha coluna desta quinta-feira no portal Vermelho
Leia uma minicrônica sobre nootrópico https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/09/minha-opiniao-desumanidade.html
Muito bom! As praças são extremamente necessárias. Lugar de encontro, de brincadeiras, de sombras refrescante e de saudades também. Tudo passa, mas às memórias são eternas.
ResponderExcluirHa’ palavras que vestem muito bem aquilo que se quer dizer. Boa Luciano.
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