22 novembro 2024

Uma crônica de Abraham Sicsú

Todo mundo vai ao Circo
“Lembro da infância e dos grandes circos chegando ao Brasil, a São Paulo onde vivia. O de Moscou uma beleza, o Vostok nacional e muitos outros.”
Abraham B. Sicsú*/Vermelho     

Fim de ano em Recife. Época de festivais, de cinema, de literatura, de teatro. Um, em particular, me diz muito respeito, sempre o espero, sempre o freqüento. Festival de Circo do Brasil.

Em sua maioridade, décima oitava edição, terminou neste domingo. Em espaços públicos, em belos teatros. Na chegança, canto a música:

“Vai, vai, vai começar a brincadeira
Tem charanga tocando a noite inteira
Vem, vem, vem ver o circo de verdade
Tem, tem, tem picadeiro de qualidade…”

Sempre fui apaixonado. Lembro da infância e dos grandes circos chegando ao Brasil, a São Paulo onde vivia. O de Moscou uma beleza, o Vostok nacional e muitos outros. Meus pais nos levavam, sempre uma festa.

Mais recentemente, o Cirque Du Soleil, com seus trapezistas e malabaristas fantásticos. Não esqueçamos o Circo Internacional da China com suas acrobacias e performances quase inacreditáveis.

Os palhaços sempre me fascinaram. Via, nos primórdios da TV, um pouco borrada, Arrelia e Pimentinha, Fuzarca e Torresmo e o mítico Piolin. Divertidos, nos faziam rir sem saber bem o porquê daquela explosão de alegria, o cotidiano e suas versões encantadas.

Não esqueçamos os circos mambembes. As encenações de peças, quase sempre com caráter religioso, com péssimos atores, que chegavam nas cidades e mobilizavam toda a criançada.

Lembro, mais recentemente, nos anos noventa, que, nas férias na praia, em Pontas de Pedra, era obrigatório ver esses dramalhões e apreciar as estrelas que apareciam nas lonas furadas.

Voltemos ao festival, chama do Brasil, mas tem atrações internacionais fantásticas. Artistas do mundo todo, africanos, europeus, latino-americanos, sempre presentes.

Os teatros, os melhores da cidade. O Santa Isabel e sua majestade, o Hermilo e seu ar aconchegante, o Apolo e seu ambiente convidativo, o Parque, totalmente recuperado.

Os espaços públicos, os parques, as praças, onde se podem ver belas apresentações, de graça. Não se aplica a música da minha infância, da mais que admirada Nara Leão.

“Todo mundo vai ao circo,
Menos eu, menos eu
Como pagar ingresso,
Se eu não valho nada,
Fico de fora escutando a gargalhada…”

É democrático, é bem popular. Mesmo nos teatros. Tudo possível de freqüentar. E de participar. Este ano, fui a três belas apresentações.

 Na abertura uma franco-brasileira, contorcionista, num show bem ambientado, mostrando que o corpo não tem limites de flexibilidade. Entrava em caixas minúsculas, escalava caixas de acrílico enormes, trocava, literalmente, os pés pelas mãos. A música muito bem escolhida, os cenários bastante adequados. O público aplaudiu efusivamente. E o bom foi que ela se apresentou, também, em lugares públicos abertos, em Olinda e Recife.

No Sana Isabel, o ápice. Dois senegaleses. Equilibristas, inacreditáveis. Muito bem ambientado, nas savanas africanas. A música perfeita. Mais de uma hora de encanto e magia. O público delirava. Acho que até eles se assustaram com a reação. Impossível não admirar e se extasiar com espetáculo tão belo.

No domingo, a leveza do palhaço. Em um espetáculo inteligente, “o Palhaço tem Concerto?” Um cômico de Campinas da Companhia Oruã ( Mauro ao contrário, substituindo o m por til, o nome do palhaço), com um quarteto de cordas pernambucano. Música clássica e palhaçada, uma idéia genial, além de educativa. Gostei muito. Leve, boas risadas. A criançada se empolgou.

Agora, só para o ano. Mas, o imaginário, a volta a tempos felizes, o recordar de tempos vividos, a magia circense, sempre entra em minha alma, faz esquecer tempos turbulentos, problemas vividos. Gostaria de estar no palco, mas, melhor não, afinal;

“A minha vida é um circo,
Sou acrobata na raça.
Só não posso ser palhaço
Eu vivo sem graça..”
              

*Professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco)

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