07 dezembro 2024

Cida Pedrosa opina

Quando o poder é ameaçado, são as mulheres que pagam o preço
Cida Pedrosa/Brasil de Fato  

Uma coisa é certa: quando a extrema direita é confrontada por seus crimes, uma das primeiras reações é ameaçar os direitos das mulheres. Quando ousamos contrariar os homens que se dizem “poderosos”, nossas cidadanias são atacadas e questionadas no mesmo instante. É assim que funciona o patriarcado. 

Os acontecimentos das últimas semanas corroboram: bastou sair a notícia de que Bolsonaro poderá finalmente ser preso por tentar um golpe de Estado, e os deputados (a maioria homens conservadores) desenterraram o “PEC do Estupro” na Comissão de Constituição e Justiça do Congresso Nacional. O projeto, absurdo e perigoso, põe em risco a vida das brasileiras, ao revogar o acesso ao aborto legal, conquistado desde a década de 1940.

Mesmo que não chegue ao Plenário para a votação, reavivá-lo já cumpre o papel do terror psicológico, recado claro de que a cerca que tentam nos impor segue em pleno funcionamento. Ser mulher no Brasil precisa, acima de tudo, de muita coragem.  

Os dados apontam o horror. Segundo os números da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS), de janeiro a outubro deste ano foram registrados 44.796 casos de violência doméstica no Estado. Isso dá uma média de 4.479 ocorrências por mês ou, aproximadamente, 149 por dia. Cotidianamente, mais de uma centena de mulheres denunciam seus companheiros ou parentes próximos por atentarem contra suas vidas.

No ano passado, o mundo contabilizou 85 mil assassinatos de mulheres motivados pelo gênero, de acordo com o relatório “Feminicídios em 2023: estimativas globais de feminicídios por parceiro íntimo ou membro da família”, da ONU Mulheres, divulgado no dia 25 de novembro, início da campanha internacional de 16 dias de ativismo pelo fim da violência de gênero. Isso equivale a uma morte a cada 10 anos. 

Ainda há um agravante pouco computado: na guerra desumana e genocida de Israel contra a Palestina, os principais alvos são mulheres e crianças.

Quando se fala sobre estupro, arma feroz contra a dignidade feminina, essa conta é ainda mais assustadora. Em Pernambuco, nos primeiros cinco meses de 2024, 957 mulheres foram estupradas, o que dá seis casos por dia. Além da punição severa a este tipo de crime - que deveria ser hediondo - é preciso que o poder público se comprometa com a prevenção, o fomento a direitos, o combate ao machismo e à misoginia.

Em governos anteriores, muito mais progressistas do que este de direita da governadora Raquel Lyra, víamos uma Secretaria da Mulher forte e atuante, articulando ações e buscando alargar a perspectiva de gênero em todas as esferas governamentais.   

Ainda vivemos sob o rastro de destruição deixado por Bolsonaro e Damares. As políticas de gênero nacionais estão sendo refeitas, mas o retrocesso ainda é um bicho de dentes afiados, pronto para nos abocanhar. Não há como falarmos de democracia plena enquanto nossas cidadanias são relativizadas e enquanto morremos apenas por sermos mulheres.

No Recife, o ano termina com notícias alvissareiras e resultados concretos. Conseguimos consolidar o funcionamento da Secretaria da Mulher, com a realização do seu primeiro concurso público. Nos serviços à população, temos novos equipamentos, como o Centro de Promoção dos Direitos da Mulher Marta Almeida, entregue recentemente. Além disso, diversas ações aproximaram o poder público das recifenses. Muito me orgulho de estar à frente da Comissão dos Direitos da Mulher na Câmara de vereadores, trabalhando para potencializar as políticas municipais.

Se tem uma coisa que tenho claro é o meu caminho nesse labirinto todo. Ser uma vereadora feminista em um parlamento composto, em sua maioria, por homens é desafiador demais. É preciso muito fígado e gogó para conseguir amplificar as nossas vozes.

Cobrar, fiscalizar e propor políticas de gênero concretas é o que tenho feito desde que entrei na Câmara do Recife. Foi assim com o Protocolo Violeta, lei de nossa autoria que cria uma rede de proteção às mulheres contra importunação e assédio sexual em vários ambientes da cidade. Não podemos naturalizar esses dados alarmantes, nem nos acostumarmos a perder companheiras. 

Espero muito que essa luta centenária um dia tenha fim, que minhas bisnetas possam viver em um mundo muito mais igualitário e justo com todas nós. Enquanto esses dias mulheres não chegam, sigam contando com meu mandato, meus versos, militância e força política. Eles são muitos, mas nós podemos voar.

Leia sobre a prevalência do rentismo no parlamento brasileiro https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_6.html  

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