16 dezembro 2024

Cláudio Carraly opina

Muito prazer, meu nome é Cláudio
Cláudio Carraly* 

Não costumo escrever textos na primeira pessoa, nem sou dado a exposição, muito menos a lamúrias públicas, mas após muita ponderação achei que esse depoimento pessoal de alguém reconhecido como uma pessoa alegre, de bem com a vida, tendo sempre um sorriso no rosto, ajudaria a quem diferente de mim, é mais tímido e menos extrovertido, tentarei explicar como eu sou e o que sinto e torço que sirva para ajudar outras pessoas. 

Tenho duas doenças mentais, sim, duas doenças mentais, assim categorizadas pela Organização Mundial da Saúde – OMS, estas são, transtorno de ansiedade generalizada e depressão. Olhando para trás na minha vida, vejo que tenho esses traços como parte da minha personalidade desde sempre, estavam lá e com as tarefas da vida as áreas que atuei sempre complexas, direitos humanos, enfrentamento ao abuso sexual de crianças e adolescentes, segurança pública, defesa civil, e outras diversas situações onde observamos o pior da humanidade. Essas questões que como dito estavam embrionárias em mim, ano após ano foram crescendo e tomando parte do que sou por décadas, para quem não imagina como é, tentarei descrever poeticamente como são uma e outra, mas posso afirmar que essas sensações são reais a essas descritas no texto. 

A ansiedade é como um mar muito revolto, numa ressaca cujas ondas não cessam, e mesmo quando parecer acalmar quando olhamos a superfície ela ainda está com correntes fortes por baixo da linha da água. É o corpo em um constante e interminável alerta, imagine a descarga de adrenalina e taquicardia que temos quando estamos na iminência de um assalto, a vontade de correr e gritar, ocorre que não há perigo real, nada, às vezes você está assistindo a filmes na televisão ou bebendo com amigos, e o coração dispara sem prévio aviso.

Nossa mente traiçoeiramente constrói cenários ilusórios de perigo onde só há silêncio, no meu caso específico esses cenários nem se constroem, sou profundamente racional e sei que nada daquilo existe, é só um problema de química cerebral, e nisso ao menos minha cabeça respeita e nem tenta criar um cenário inexistente, mas tanto faz, os sintomas são os mesmos de quem os tem. Os pensamentos ficam confusos e opacos, repletos de caminhos que levam de volta ao ponto de partida, isso porque nosso raciocínio e memória ficam precários, diante de tanta informação intrínseca que não existe na realidade. 

O sono, que deveria ser refúgio, transforma-se em vigília, enquanto o corpo luta contra batalhas invisíveis, em alerta esperando algum mal que nunca chega, pois ele já está lá dentro da gente. Quem vive a ansiedade enfrenta uma inquietação que transborda, um copo que já está à beira de transbordar, mas por uma espécie de milagre invertido, continua a encher indefinidamente, é um cansaço que nunca encontra descanso, e cansa, cansa e cansa muito.

Essa é mais conhecida, mas poucos a conhecem ela de verdade, apresento-lhes a depressão, essa vem com todo peso do silêncio, do toque frio e insipido do nada, se instalando lentamente, e apagando pouco a pouco, um mundo que antes era colorido e vibrante, temos a sensação de caminhar em um deserto sem fim, onde os dias se arrastam e as noites parecem eternas e onde a ideia de desaparecer é agridoce e não poucas vezes, desejada. 

Em seguida, o que outrora trazia alguma alegria se torna cinza, e o simples ato de existir demanda uma energia que parece inalcançável, é como se o ato de levantar da cama pela manhã fosse uma vitória digna de uma medalha olímpica, e não, não estou utilizando uma hipérbole. Mas não é só isso, tem uma solidão que não se explica, mesmo no São João de Caruaru ou no meio do Galo da Madrugada, cercado de amigos e parentes, mesmo acarinhado, mesmo querido, ela está lá fazendo você solitário em um mundo repleto de gente, é uma luta constante contra esse sentimento de vazio que insiste em dominar, o pior, é uma luta que você sequer se dispõe a lutar.

No meu caso, essas duas forças, embora distintas, diria antagônicas, se entrelaçam numa tempestade perfeita. Um paradoxo cruel em que a mente ora corre em um turbilhão de emoções, ora se vê paralisada pelo vazio do desinteresse pela existência. E, no meio desse embate interno, vem a sensação de derrota, de causa perdida, da incapacidade de encontrar o equilíbrio entre esse leviatã de extremos, como se seu corpo trabalhasse contra ele mesmo.

O que fazer? Pedir ajuda? No meu caso, lógico que o fiz, não há vergonha em pedir ajuda, em desacelerar, em cuidar da própria mente com o mesmo zelo que se cuida do corpo e da alma. É preciso lembrar que, mesmo nas tempestades mais intensas, o mar volta a se acalmar, e mesmo nos desertos mais áridos, há sementes esperando para florescer. Porém, ao menos no meu caso, o mar parece se revoltar ainda mais a cada tentativa de melhora e o deserto encobre qualquer pequena semente que ouse germinar, as vezes me sinto aprisionado dentro de mim, dentro do meu próprio corpo. 

Ansiedade, depressão ou quaisquer distúrbios mentais, não definem quem somos, são capítulos de uma história que pode ser reescrita com paciência, cada pequeno passo em direção à luz é uma vitória, e o simples fato de continuar tentando é a prova mais pura de resistência e força, eu todo dia espero ser forte o suficiente para lutar contra o que se esconde na química do meu cérebro, então quando você por acaso ler esse texto, ou me encontrar por aí, saiba que nesse momento há ali uma pessoa vitoriosa só por conseguir estar ali, e que vive a sorrir porque, como diria o poeta...   

“Pra todo mundo
A minha cara é de alegria
Porque ninguém tem nada a ver
Com a minha dor
O meu lamento
Ninguém não pode dar jeito
Se todo mundo tem
A marca de um amor”

*Advogado, Ex-Secretário Executivo de Direitos Humanos de Pernambuco

Um comentário:

  1. Que texto belo e repleto de verdade, meu amigo! Essa nossa luta cotidiana é dura, mas vamos vencendo dia após dia! Abraços!

    ResponderExcluir