O
ultraliberalismo: um caminho rumo ao abismo
Cláudio
Carraly*
O ultraliberalismo representa uma fase ainda mais radical do neoliberalismo, caracterizando-se pela destruição do papel do Estado na economia e na sociedade. Ele intensifica privatizações, precariza o trabalho, promove políticas excludentes e eleva a repressão estatal para conter o indefectível descontentamento social, sua pseudológica, travestida de eficiência econômica, agrava desigualdades, monetiza a vida humana e ameaça os princípios democráticos, tornando-se um fenômeno que deve ser analisado e combatido
1. O
Desmonte deliberado do Estado: O Mesmo Método no Mundo
Se o
neoliberalismo diminuiu a atuação estatal em prol do livre mercado, o
ultraliberalismo aprofunda a ideia do Estado, que antes era o Estado mínimo,
agora resume-se apenas a um aparato de polícia, restringindo suas funções
apenas à repressão e segurança pública. Como aponta a economista Wendy Brown em
Undoing the Demos (2015), o ultraliberalismo reduz o cidadão a um mero agente
econômico: “o humano é transformado em capital humano”. Isso significa que os
direitos sociais deixam de ser uma garantia coletiva e passam a depender do
desempenho econômico individual, e o possível mau desempenho é só responsabilidade
do indivíduo e nada a ver com o Estado.
No Chile
pós-ditadura, políticas ultraliberais implementadas durante o governo Pinochet
resultaram em privatizações agressivas de setores como água e educação. Hoje,
cerca de 82% dos chilenos dependem de sistemas de ensino privados ou mistos, o
que aprofunda desigualdades e impede o acesso universal à educação, sem falar
no sistema de previdência nas mãos de empresas privadas, que ao quebrarem
deixaram milhões de pessoas desassistidas.
Desde que
o governo ultraliberal assumiu o poder na Argentina, diversas medidas vêm sendo
implementadas em ritmo acelerado e sem discussão com o parlamento ou a
sociedade, obviamente gerou impactos imediatos no dia a dia da população. Logo
nas primeiras semanas, foram anunciados cortes em ministérios e órgãos
públicos, além de uma possível dolarização da economia para frear a
hiperinflação que, no entanto, já pressiona ainda mais os preços de bens
básicos. A orientação para privatizações de setores-chave, como energia e infraestrutura,
ganhou força no discurso oficial, enquanto subsídios em áreas como transporte e
serviços públicos sofrem reduções abruptas, encarecendo o custo de vida e
aumentando o descontentamento social.
Ao mesmo
tempo, sindicatos e movimentos populares organizam protestos contra a
precarização do trabalho e a diminuição de programas de assistência, que antes
atenuavam a pobreza em regiões mais vulneráveis, com a desigualdade em alta, a
tensão política se acirra, e o governo dobra a aposta e diminui ainda mais os
investimentos sociais, para isso, utiliza o argumento de cumprir as metas
fiscais, ainda que, na prática, o custo desse ajuste pese como sempre nas
camadas mais vulneráveis.
2.
Privatizações e Desigualdade: O Avanço do Mercado
Os
ultraliberais justificam privatizações agressivas como uma solução para crises
fiscais, ignorando os impactos sociais, em muitos países, empresas estatais de
setores estratégicos, como saúde, energia e transporte, foram entregues ao
setor privado. Como consequência, os preços aumentam, a qualidade dos serviços
se deteriora e o acesso se torna excludente. Um relatório do Banco Mundial
(2020) mostra que a privatização de sistemas de abastecimento de água em países
da África subsaariana resultou no aumento das tarifas em até 200%,
inviabilizando o acesso para milhões de famílias.
No
Brasil, entre 2016 e 2021, mais de 50 empresas públicas foram privatizadas,
especialmente no setor de energia e saneamento, conforme dados do BNDES. A
privatização da energia elétrica na África do Sul levou a apagões frequentes e
tarifas mais altas, impactando sobretudo a população pobre, o que vimos aqui no
Brasil, no estado mais rico da federação, que sofre com apagões, preços
elevados e qualidade sofrível de atendimento. A falta de investimentos em
infraestrutura é consequência direta da busca pelo lucro imediato das empresas
privadas.
3. A
Precarização do Trabalho e o Aumento da Exclusão Social
Essa
ideologia político-administrativa também promove a retirada de direitos
trabalhistas conquistados e a precarização do emprego em nome da
"flexibilidade do mercado". Isso resulta em aumento do desemprego,
informalidade e insegurança econômica, o economista francês Thomas Piketty, em
O Capital no Século XXI, destaca que o ultraliberalismo favorece os detentores
de capital e amplia a desigualdade de forma estrutural. Pior, sob o argumento
falacioso da meritocracia e empreendedorismo, parte da classe trabalhadora
abraça esse discurso como se oprimido pelo seu esforço “pudesse virar o
opressor.”
Segundo a
Organização Internacional do Trabalho – OIT , entre 2010 e 2020, a
informalidade no trabalho aumentou em 25% na América Latina em países que
implementaram reformas nas linhas do sistema econômico do coração dos mercados
financeiros. O relatório de 2022 da Oxfam revela que o 1% mais rico do mundo
detém quase 50% da riqueza global, enquanto bilhões vivem com menos de US$ 2
por dia, e a tendência é essa distância se elevar mantidas as atuais condições
do sistema financeiro global e a falta de uma regulação dos super-ricos.
4.
Repressão Social: O Papel do Estado Nessa Distopia
Diante do
aumento da desigualdade e do descontentamento popular, os ultraliberais
defendem o fortalecimento do aparato repressivo, ao invés de atuar como
mediador e promotor de justiça social, o Estado assume um papel de controle e
vigilância, criminalizando protestos e movimentos sociais, como um retorno à
máxima do século XIX de que questões sociais eram um problema de polícia, sim,
como a moda é cíclica e as roupas do passado voltam à moda, políticas
sectárias, ao que parecem, também retornam. Na França, os protestos dos
“Coletes Amarelos” (2018) contra as políticas ultraliberais foram fortemente
reprimidos. De acordo com a Anistia Internacional, a violência policial resultou
em centenas de feridos e prisões arbitrárias.
5. O
Impacto na Democracia e a Crise Global
Ao
transferir o poder decisório para grandes corporações, enfraquecem-se os
mecanismos democráticos, decisões que afetam milhões passam a ser guiadas por
interesses privados inconfessáveis e o lucro destas se sobrepõe aos interesses
da sociedade, e o espaço para políticas públicas inclusivas é totalmente
eliminado. Essa lógica contribui para o aumento da polarização e do populismo
autoritário em diversos países. Como afirmou o sociólogo Zygmunt Bauman, “a
privatização do público é o golpe mais profundo que se pode dar na democracia”.
O
ultraliberalismo não é uma solução para crises econômicas; ele as agrava. Seu
legado é a desigualdade, a exclusão e a destruição de direitos coletivos
conquistados ao longo de centenas de anos de lutas e acúmulos por parte da
classe trabalhadora do campo e da cidade. A experiência global demonstra que as
políticas ultraliberais falham em promover prosperidade e justiça social,
beneficiando apenas uma elite econômica em detrimento das maiorias e deixando,
ao final, o que resta do Estado de joelhos para essas corporações.
Alternativas
Possíveis:
A.
Fortalecimento do Estado Social: A reconstrução de políticas públicas robustas
e universais é fundamental.
B.
Regulação do Mercado: O equilíbrio entre Estado e mercado é essencial para
garantir justiça econômica.
C.
Tributação Progressiva: A taxação das grandes fortunas é fundamental para reduzir
desigualdades e financiar políticas sociais.
D.
Mobilização Social: A resistência por meio de movimentos partidários, sociais e
difusos é crucial para barrar o avanço ultraliberal.
Como
cidadãos, é necessário compreender que a luta contra as várias formas de
metamorfose do capitalismo em sua veia mais agressiva que surge de tempos em
tempos, essa na verdade é uma luta pela dignidade humana, pela justiça social e
pela preservação da democracia, e estamos apenas no início dessa longa e
difícil caminhada.
*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
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