O medo nas cidades e metrópoles
“A cidade contemporânea é o local onde afloram problemas de toda a natureza e proporção, muitos dos quais criados e não resolvidos pelo espaço global”
George Câmara*/Vermelho
Por toda a parte, observamos um fenômeno presente nas metrópoles contemporâneas: condomínios fechados (ou enclaves fortificados), defensivos, verdadeiras fortalezas endurecidas por dispositivos para atender ao medo e à insegurança que passaram a dominar a vida urbana.
São espaços privatizados, fechados e monitorados, destinados a residência, lazer, trabalho e consumo. Podem ser shopping centers, conjuntos comerciais e empresariais, ou condomínios residenciais e, em geral, atraem os que temem a heterogeneidade social dos bairros urbanos mais antigos e preferem deixá-los para os pobres, os sem-teto.
Por serem espaços fechados cujo acesso é controlado privadamente, ainda que tenham um uso coletivo e semi-público, eles transformam profundamente o caráter do espaço público, tornando-o fragmentado, articulado em termos de separações rígidas e segurança sofisticada, cuja marca definidora é a desigualdade.
Cria-se assim um outro tipo de espaço público, marcado por cercas, policiamento de fronteiras e técnicas de distanciamento, que contradiz completamente os ideais de heterogeneidade, acessibilidade e igualdade que ajudaram a organizar o espaço público ao longo da história moderna. Adentramos na era da cidade dos muros. Não aquela cidade medieval cercada para se defender dos exércitos inimigos. Mas a pós-moderna.
O novo padrão de segregação espacial mina os valores de acessibilidade, liberdade de circulação e igualdade que inspiraram o tipo moderno de espaço público urbano e o substitui por um novo tipo de público que tem a desigualdade, a separação e o controle de fronteiras como valores estruturantes. Los Angeles serve como comparação para demonstrar que o padrão de segregação inspirado por esses valores já está disseminado.
A cidade contemporânea é o local onde afloram problemas de toda a natureza e proporção, muitos dos quais criados e não resolvidos pelo espaço global. Pela diversidade e heterogeneidade, é também um campo de batalha onde disputam a mixofilia (que valoriza a convivência e a aprendizagem com as outras pessoas) e a mixofobia (rechaça a convivência com a pluralidade, vista como incômodo e insegurança: o medo de misturar-se).
Independentemente da configuração que apresenta – se uma metrópole de porte maior ou menor – o lugar está constantemente sujeito a um elemento que parece não conhecer fronteiras frente à proliferação acelerada e fragmentada dos espaços: o medo. Um tal medo que se reproduz também pelo próprio medo.
Em seu livro Confiança e medo na cidade, o sociólogo polonês Sygmunt Bauman (*) afirma:
“Poderíamos dizer que a insegurança moderna, em suas várias manifestações, é caracterizada pelo medo dos crimes e dos criminosos. Suspeitamos dos outros e de suas intenções, nos recusamos a confiar (ou não conseguimos fazê-lo) na constância e na regularidade da solidariedade humana” (Bauman, 2009).
Para a Professora Teresa Caldeira (**) “a violência e o medo combinam-se a processos de mudança social nas cidades contemporâneas, gerando novas formas de segregação espacial e discriminação social” (Caldeira, 2003). Ao pesquisar sobre o crime, o medo da violência e o desrespeito aos direitos de cidadania em São Paulo, a referida autora considera que tais fenômenos
“têm se combinado a transformações urbanas para produzir um novo padrão de segregação espacial nas duas últimas décadas do século XX. O crescimento do crime violento em São Paulo desde meados dos anos 1980 gerou medo e uma série de novas estratégias de proteção e reação, dentre as quais a construção dos muros é a mais emblemática” (Caldeira, 2003).
Mas as cidades podem ser vistas por uma outra ótica: como espaços de esperança, como um laboratório de experiências a partir da convivência com a diferença. Não como espaços do medo, e sim da confiança e da solidariedade entre as pessoas.
(*) BAUMAN, Sygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, 94 p.
(**) CALDEIRA, T. P. do R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34; Edusp, 2. ed. 2003, 340 p.
*Ex-vereador pelo PCdoB em Natal/RN
Leia sobre privilégio dos super ricos https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/08/fundos-privilegiados.html
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