10 dezembro 2024

O cartel da Faria Lima

É hora de investigar o cartel que manipula o câmbio
O cartel da Faria Lima é uma organização que pratica crime de cartel e de atentado aos direitos coletivos
Luis Nassif/Jornal GGN  

Seria conveniente que a opinião pública brasileira – mídia, agência reguladora, Ministério Público e Polícia Federal – começassem a se preparar para o grande desafio contemporâneo da política e da economia brasileira: a investigação sobre o cartel da Faria Lima. 

Vamos a algumas definições iniciais para não generalizar.

Não se trata da Faria Lima nem da indústria dos fundos como um todo. Aliás, para os enormes lucros do cartel houve prejuízos de todos os que estavam na ponta contrária, além de fundos multimercados e investimentos em ações.

O cartel é um grupo restrito de grandes operadores, com poder de influenciar o mercado.

Sua forma de atuação é conhecida. Primeiro, investem em algum ativo considerado barato ou caro.

No episódio da semana passada, investiram em contratos de compra de títulos públicos. O valor dos títulos públicos pré-fixados corresponde ao valor de resgate (já conhecido), dividido pela taxa de juros do dia. Quanto maior a taxa, menor o valor do papel, e vice-versa: quanto menor a taxa, maior o valor do papel.

No início do ano, o mercado apostava em estabilização ou queda da taxa Selic. Havia um obstáculo pela frente: o Ministério da Fazenda alcançar ou não as metas propostas no regime de arcabouço fiscal. Pequenas variações para cima ou para baixo não seriam motivo para temores maiores.

De repente, analistas, economistas de banco, operadores, começam a trabalhar o terrismo fiscal, ajudado por uma mídia cúmplice. Passa-se a taxar de “gastança” qualquer despesa social, a usar o catastrofismo como instrumento de discussão.
 

Em uma mídia parcial, sem espaço para vozes dissonantes, foi se formando o clima terrorista, adequado para o segundo tempo do jogo. 

O tiro de partida foi a declaração do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em abril, sinalizando para uma mudança de rumo na política monetária. A Selic vinha caindo 0,50 em cada reunião do Copom. No máximo, o mercado apostava em uma redução da queda para 0,25. Depois da virada de Campos, as expectativas começam a mudar.

O tiro final seria no dia do anúncio do pacote fiscal de Fernando Haddad. Na véspera deu-se o estouro da boiada, por motivo insignificante: a inclusão do pacote de isenção de Imposto de Renda para quem ganhasse até R$ 5 mil.

Não se entenda como o mercado como um todo. Parte expressiva do mercado pagou uma conta alta com as manipulações da semana passada. Fundos multimercados, investidores que venderam contratos de opções, foram vítimas do mesmo esquema do cartel.

O câmbio explodindo afetou todas as importações em curso, pressionou preços dos comercializáveis aumentando as apostas na elevação da inflação e num salto de até 0,75 pontos na Selic. Como não haverá superávit fiscal capaz de anular os impactos de tal salto da Selic na dívida pública, tem-se então governo, economia, investidores, economia real, consumidores, nas mãos de um cartel, que opera livremente, sem nenhuma expectativa de risco para inibir sua atuação.

O governo não conseguirá livrar-se dessa amarra, nem o Banco Central, mesmo sob a condução mais responsável de Gabriel Galipolo. 

É hora de caracterizar o cartel da Faria Lima pela qualificação correta: é uma organização que pratica crime de cartel e de atentado aos direitos coletivos.

Mais que isso, provoca desconfiança em relação ao mercado financeiro, impõe perdas extraordinárias aos agentes do mercado que tiveram prejuízos expressivos.

Na Inglaterra, jogada semelhante com a libor não passou em branco.

O cartel da libor

The New York Times mostrou assim a manobra do cartel.

Quadro 1 – a libor




Quadro 2 – o golpe

A Comissão Europeia aplicou multas no montante total de 1.700 milhões de euros a oito bancos, acusando-os de terem constituído um cartel que manipulou os mercados de derivados.

Quatro bancos formavam um cartel para manipularem as taxas dos derivados no mercado do euro; seis manipulavam conjuntamente as taxas dos derivados no mercado do yen. Volta a aplicar-se aqui a lógica da não condenação.

Em 6.07.2012, o colunista José Nocera, no The New York Times, sintetizava o grau do escândalo:

“Por que o escândalo criou indignação na Grã-Bretanha? Porque é realmente ultrajante”, disse Karen Petrou , sócia-gerente da Federal Financial Analytics. “Eles não deveriam estar fixando essa taxa — não importa qual seja o motivo.”

Ela continuou: “Se eu te der meu dinheiro, preciso poder confiar em você com ele. Se você só pode ser confiável por meio de regulamentação, então você pode muito bem ser um utilitário. E se os bancos não são confiáveis ​​para gerenciar suas mesas de negociação, então precisamos repensar todo o nosso modelo bancário.” Petrou não é uma defensora do retorno aos dias da Glass-Steagall, a lei da era da Depressão que separava o banco de investimento do banco comercial. Mas com o escândalo da Libor, ela disse, ela certamente poderia entender os crescentes pedidos por isso.

O Barclays, é claro, dificilmente é o único grande banco que manipulou a Libor por diversão e lucro. É simplesmente o primeiro a admitir seu erro e a se acertar com o governo. Dizem que quase todos os grandes bancos estão sob investigação por jogar com a Libor, incluindo JPMorgan Chase, Citigroup e outros gigantes financeiros americanos”.

O mesmo ocorreu no Brasil. Fundos e investidores em multimercado tiveram perdas recordes com o movimento especulativo. A operação que envolveu meia dúzia de instituições trouxe prejuízo e insegurança para o mercado e ameaças concretas para toda a economia no próximo ano, à medida que se tornaram elementos fortes para uma elevação da taxa Selic.

Como investigar

O primeiro passo é cercar-se de especialistas em mercados futuros, para identificar as manobras.

Hoje em dia, a atuação de cada operador é registrada digitalmente. Então, haverá muito mais possibilidades de identificar as manobras do cartel.

O primeiro passo é identificar as datas-chave, no qual há suspeitas de manipulação. Por exemplo, poderia pegar todos os movimentos e declarações de Campos Neto e checar as operações do Banco Santander – de onde ele saiu para o Banco Central.

Depois, conferir as comunicações entre agentes econômicos, sabendo que o primeiro que for identificado em práticas de manipulação tratará de apelar para o benefício da delação premiada.

Há sempre a carteira de ativos de Campos Neto – e de seu padrinho Paulo Guedes – para ser analisada. E haverá a necessidade de acordos operacionais com agentes do mercado norte-americano, para identificar operações casadas com ativos em reais existentes na Bolsa de Nova York.

Mesmo que a investigação não desvende totalmente a trama, pelo menos passará a noção e risco para os operadores do cartel. Hoje em dia, eles ameaçam, soltam notas no Radar da Veja desancando o governo, bancam pesquisas da Quaest para pressionar as autoridades, com uma desfaçatez sem tamanho.

Importante: abusaram tanto, com seu terrorismo em um quadro de melhoria de todos os indicadores da economia real, que perderam o apoio unânime da mídia corporativa. No máximo, conseguem ludibriar jornalistas financeiros e setoristas. 

Leia sobre a prevalência do rentismo no parlamento brasileiro https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_6.html 

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