11 dezembro 2024

Políticas públicas sob especulação

As políticas públicas e os interesses espúrios
Nesse terremoto institucional, o STF, redimido dos erros da década passada, torna-se o único instrumento de racionalização. Por quanto tempo?
Luis Nassif/Jornal GGN   

É curioso o embate entre o mundo onírico da teoria e o mundo prático da política. Dia desses, publiquei em um grupo de WhatsApp jogadas da Microsoft com o PSDB – na gestão de Paulo Renato de Souza no Ministério da Educação, e Maria Helena Guimarães na Secretaria da Educação em São Paulo.

A grande lobista da Microsoft era (e é) Maria Cristina Boner Leo, que em determinado período foi esposa de Frederick Wassef, o advogado de Bolsonaro.

Um dos participantes, economista conhecido, ficou indignado, dizendo que acusei a ambos de corrupção. Não adiantou explicar que os tratei como agentes do PSDB na arrecadação de fundos, assim como muitos membros do PT, do PL, do PSD. Nem que o MEC atual tentou emplacar um lobby de Jorge Paulo Lemann visando beneficiar a Starlink de Ellon Musk na digitalização das escolas na Amazônia.

O espanto e a indignação do economista, pessoa em geral tranquila, e muito enfronhada com o ex-PSDB, me passaram a mesma surpresa que teria vendo um adulto, de 50 anos, chocado quando soube que seus pais transaram para concebê-lo.

Na ocasião, discutia-se sobre as prioridades em políticas de educação. E era difícil para um teórico das planilhas aceitar que a maioria das políticas públicas são definidas de acordo com interesses explícitos ou sub-reptícios dos homens do poder.

Naqueles tempos, o MEC e a Secretaria da Educação de São Paulo fecharam acordos com a Microsoft para a compra do sistema Office, enquanto a nata do funcionalismo público usava softwares livres, que davam muito bem conta do recado.

No livro “Avenças e Desavenças”, Luiz Gonzaga Belluzzo e Nathan Caixeta discutem os fundamentos da economia dita científica. “Nasceu no século XVIII vestindo o manto de Economia Política tornou-se “Ciência Economica”. Na verdade, hoje e sempre ostentou e ostenta os poderes conhecidos da Política da Economia”, diz Belluzzo.

No livro “Poder e Progresso: uma luta de mil anos entre a tecnologia e a prosperidade”, de Daron Acemoglu e Simon Johnson, os autores, Prêmio Nobel de Economia, mostram que desde os primeiros movimentos de mercado, as decisões sobre novas tecnologias sempre obedeceram aos interesses da classe dominante. 

Mas sempre há a necessidade de forjar uma explicação “científica” ou mesmo social para as decisões.

Agora mesmo, porta-vozes do tal mercado advogam cortes de despesas para combater a inflação, porque “os pobres são os maiores sacrificados”. Para salvar os “pobres”, eles propõem, então, corte de benefícios sociais, reforma na Previdência Social, nos Benefícios de Prestação Continuada, nas regras de aposentadoria do INSS, nas regras de reajuste do Bolsa Família. Tudo para salvar os “pobres”.

Tome-se o caso da educação. Em São Paulo, a maioria das escolas estaduais não têm sequer bibliotecas. Mas o Secretário da Educação quer fazer uma grande licitação de computadores.

A diferença entre países que dão certo, e os que naufragam na irracionalidade, está na existência ou não de um núcleo racional, composto por lideranças da sociedade civil, do meio empresarial, dos trabalhadores e movimentos.

O país – refletindo a onda mundial da ultradireita – está em um vácuo político. Cobra-se muito o presidente da República e o Ministro da Fazenda – e essas cobranças são importantes. Mas tem que se levar em conta que ambos caminham sobre o fio de uma navalha, acossados pelo Congresso, pelo mercado e por grandes interesses particulares.

Nesse terremoto institucional, o Supremo Tribunal Federal, redimido dos enormes erros da década passada, torna-se o único instrumento de racionalização. Mas por quanto tempo? Aqui e ali vêem-se movimentos de resistência, iniciativas visando organizar minimamente a periferia, fortalecer direitos humanos, montar uma frente civilizatória.

Mas esses movimentos têm que ganhar musculatura nos próximos anos, sob o risco do país cair nas mãos do que pior a política brasileira já criou.

Veja: oportuna discussão sobre a natureza do Estado brasileiro https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/lancamento-do-livro-o-estado-brasileiro.html 

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