12 dezembro 2024

Uma crônica de Chico de Assis

Ecos de passeata
Chico de Assis  

A cidade escurece nervosa e o cavalo plantado sobre a ponte relincha, acompanhando a enorme barulheira do trânsito congestionado. 

Mulheres aflitas gritam, tomam táxi, choram, meu Deus, que susto! Colegiais correm, se atropelam, se machucam, eita que malucos! Homens de negócios abreviam as contas, se despedem, se abraçam, vamos com pressa. Beatas olham o céu, penetram igrejas, se ajoelham, lacrimejam, minha nossa, credo! Soldados de polícia circulam, combinam, dominam, não vai por aí, vai por aqui ou vai! Rapazes sombrios se entrecruzam, se entreolham, se interrogam, e o sinal?, que demora! 

De repente, na calçada, uma mulher se oferece â pilastra de um edifício e de voz lenta mas firme começa: “isso é só o começo de uma longa resistência, que se processa na fábrica, na fazenda, no escritório, na escola, no cárcere…" E na calçada vizinha a polícia, bota a sirigaita no carro, depois a gente dã o que é dela. Cuidado com a pancadaria, Martim, se tem que matar é com bala. Fica mais fácil de explicar! 

Grupos ágeis investem sobre os ônibus elétricos, desfilam nos espaços de um a outro, retiram os condutos que lhes ligam aos fios, comentam, não se fez um comício completo, vcs tão contendo a massa!!! 

Alguns se organizam em semi-círculos: lançam garrafas flamejantes.

Clara enxugou o suor do rosto: vc quer ser o quê? Bucha de canhão? Veja esse povo, lhe parece disposto? 

— É bala mesmo… vai ser massacre!

— Se a vanguarda não abrir as pernas — responde no mesmo tom. O problema agora é reagrupar o pessoal. A coisa mal começou! 

Aos poucos, a calma se restabelece. Grupos remanescentes dispersam a tensão, realizando comícios em locais esparsos… “a cada combatente preso, surgirão outros e outros e será olho por olho, dente por dente…”

No centro, as pessoas já exprimem opiniões, que brutos, que tolos, que corajosos! Restos de cartazes e bandeiras, o vento carrega papéis. Sòmente o toque das sirenes devolve o medo recente.

[Ilustração: Helen Sebidi]

Leia um poema de Adélia Prado https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/palavra-de-poeta-adelia-prado.html  

Um comentário:

  1. Anônimo10:18 AM

    Chico de Assis como boa frita madura encarquilha por fora e adocica por dentro. Assim, escreveu uma das melhoras crônicas restaurando o ambiente e o sentimento de outros tempos, trazendo-os através da emoção literata pata hoje.
    Bravo Chico de Assis.

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