A amiga às turras com o smartphone*
Luciano
Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Ela já passou dos 60 e se mantém hígida, forte, competente e criativa em tudo que faz; bonita, inteligente e ágil.
Cumprimentá-la pelo seu aniversário todos os anos é sempre um
prazer.
Divertido.
Há muitos causos que tira da algibeira e conta com inigualável
verve.
Mas desta vez foi diferente.
Liguei logo cedo, como sempre — silêncio.
No dia seguinte, novamente — que estará acontecendo?
Não demorou muito, ela própria, em mensagem de áudio, deu conta de
um desentendimento pessoal com o seu smartphone:
— Ligo e ele permanece mudo. Quando "fala", solta os
grunhidos esquisitos. Acende e apaga aparentemente sem motivo. Esperneia e pula
em minha mão...
Cá do outro lado da linha fiquei a imaginar a repentina
incompatibilidade de gênios entre o aparelhinho e a sua proprietária.
Como teria surgido esse desentendimento? Da parte dela certamente
não foi, bem humorada, compreensiva e afetuosa que sempre é.
O aparelhinho envelheceu e já não funciona como antes? Não seria
motivo, pois ela tem uma paciência de Jó com velhinhos de todos os tipos.
Velhos e jovens, inclusive com os que a paqueram.
Terá sido um golpe de inteligência artificial, que por obra de
algoritmos descuidados produziu algum distúrbio mental no aparelhinho?
Talvez, pois dizem por aí que a todo instante somos substituídos
por máquinas e nem percebemos!
Mas em sua mensagem de áudio confidenciou a compra de outro
smartphone, top de linha. O atual, agora desgastado, permanecerá guardado,
depositário de uma memória plena de amores e dores, paixões e mal-entendidos,
criatividade e invencionice.
Pois a querida amiga é capaz de tudo — e encanta em qualquer
circunstância.
Só há um senão.
Avisou que o novo smartphone operará número novo, que me mandaria
logo em seguida.
Esqueceu.
Já é noite e permaneço aqui com o meu modesto celular chinês à
mão, esperando ansiosamente o comunicado do novo número da aniversariante.
Como diz a minha neta Alice em sua sabedoria de criança: "É a
vida".
E é mesmo. Quando as décadas de nossa existência se somam e se
prolongam, a memória já não é a mesma... Quem sabe daqui a alguns meses a amiga
amada lembre-se de me dar seu novo número de celular.
Perseverante, aguardo pacientemente.
*Texto da minha coluna desta quinta-feira no portal Vermelho www.vermelho.org.br
[Ilustração: imagem gerada por IA]
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