27 junho 2025

Cláudio Carraly opina

A fortuna dos 1% mais ricos poderia erradicar a pobreza do mundo 22 Vezes
Cláudio Carraly 

A Oxfam Internacional, entidade que agrega mais de vinte organizações que têm por objetivo combater a pobreza, a injustiça e a desigualdade, lançou um relatório inédito chamado "Do Lucro Privado ao Poder Público: Financiando o Desenvolvimento, Não a Oligarquia", no qual revela dados que redefinem nossa compreensão sobre desigualdade global, a fortuna do 1% mais rico do planeta seria suficiente para eliminar a pobreza mundial por 22 anos consecutivos.

O documento foi estrategicamente lançado antes da Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento em Sevilha. Ele apresenta evidências de que a riqueza da elite global expandiu em impressionantes 33,9 trilhões de dólares na última década. Esse valor é equivalente a 185 trilhões de reais, superando o PIB de economias inteiras.

A pesquisa da Oxfam, baseada no cruzamento de dados do Credit SuisseForbes e Banco Mundial, demonstra uma realidade paradoxal, enquanto apenas 3 mil bilionários viram suas fortunas crescerem 6,5 trilhões de dólares, esse montante sozinho excede os 4 trilhões de dólares anuais necessários para alcançar todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU até 2030.

Em contraste gritante, 3,7 bilhões de pessoas, ou seja, quase metade da humanidade, sobrevivem com menos de 8,30 dólares por dia, segundo critérios do Banco Mundial. Essa disparidade não é apenas estatística: representa 3,7 bilhões de histórias individuais de privação e miséria, enquanto uma elite microscópica concentra absurdos 43% de toda riqueza global. O relatório identifica uma mudança paradigmática problemática na abordagem global ao desenvolvimento. Desde a década de 1990, governos progressivamente transferiram responsabilidades públicas para o setor privado, criando a chamada "financeirização do desenvolvimento".

Os números do futuro próximo são desesperadores:

- Países do G7 planejam reduzir 28% da ajuda humanitária até 2026.

- 60% das nações de baixa renda estão à beira do colapso financeiro.

- Governos gastam mais com credores privados do que com saúde e educação combinadas.

- Apenas 16% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, estão no caminho correto para 2030.

O desenvolvimento global está falhando porque os interesses de uma minoria de super-ricos são sistematicamente priorizados, os países desenvolvidos entregaram o comando do desenvolvimento global a Wall Street, caracterizando uma captura institucional pelo setor financeiro.

O Brasil é como um microcosmo perfeito dos problemas globais identificados. O país ilustra como sistemas tributários regressivos perpetuam desigualdades históricas, impactando desproporcionalmente mulheres negras, indígenas e periféricas, grupos que enfrentam simultaneamente crises climáticas, insegurança alimentar e desmonte de serviços públicos. Mas a pesquisa aponta que 9 em cada 10 brasileiros apoiam tributação progressiva dos super-ricos para financiar saúde, educação e enfrentamento às mudanças climáticas, sinalizando demanda social por mudanças estruturais.

Oxfam propõe formação de alianças internacionais específicas contra a concentração de riqueza. Brasil, África do Sul e Espanha emergem como líderes potenciais de uma "Aliança Global Contra a Desigualdade", modelo que poderia inspirar outros países a desafiar o status quo. Propõe ainda o abandono definitivo da crença de que financiamento privado resolve problemas de desenvolvimento. A proposta centra-se em:

- Desenvolvimento liderado pelo Estado, com serviços universais de qualidade.

- Exploração de bens públicos, em setores estratégicos como energia e transporte.

- Rejeição do consenso neoliberal, que privatiza lucros e socializa prejuízos.

- Tributação progressiva de patrimônios extremos.

- Revitalização da ajuda humanitária, com meta mínima de 0,7% do PIB.

- Reforma da arquitetura da dívida internacional.

- Superação do PIB como único indicador de desenvolvimento.

- Apoio à convenção tributária da ONU e esforços para substituição do G7 pelo G20.

A Conferência de Sevilha representa uma oportunidade única para governos escolherem entre perpetuar o sistema atual ou abraçar mudanças estruturais. Com a presidência brasileira do G20 priorizando a tributação de grandes fortunas e o combate à desigualdade, existe um momentum político inédito para transformações concretas, não se tratando apenas de redistribuição de riqueza, mas de redefinição do próprio conceito de desenvolvimento, de modelo que enriquece poucos para um sistema que garante dignidade a todos.

Os dados da Oxfam não apenas quantificam desigualdade, mas também revelam que soluções são matematicamente viáveis e politicamente alcançáveis. A fortuna que poderia erradicar a pobreza inúmeras vezes já existe hoje, concentrada em menos de 1% da população. A questão não é capacidade técnica ou recursos disponíveis. É vontade política global para confrontar interesses estabelecidos e priorizar bem-estar coletivo sobre acumulação privada ilimitada.

 A Conferência pode marcar o início dessa transformação ou confirmar que a humanidade escolheu aceitar desigualdade extrema como inevitável. Se ao final desta optaremos pelo conjunto da população planetária, ou seguiremos a passos largos o caminho da barbárie.

Cláudio Carraly - Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.

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