Desafios para uma revolução socialista
no Brasil no Século XXI
Como pensar uma revolução socialista hoje, diante da crise do
capitalismo e do avanço da extrema-direita no Brasil e no mundo? Artigo analisa
os obstáculos estruturais, políticos e ideológicos que se colocam diante desse
projeto
Ronald Freitas*/Portal da FMG
A questão da revolução no século XXI – Já vamos
vivendo os primeiros 25 anos do século XXI, e não faltam estudos e ensaios,
acadêmicos ou não, que procuram vislumbrar como serão os desafios da
democracia, do socialismo, do meio ambiente, do crescimento e bem-estar
econômico etc. neste século que transcorre celeremente. E, cada ano que passa
mostra o aprofundamento das incertezas de como serão os anos vindouros,
mergulhados que estamos em um agravamento sistemático da crise do sistema
econômico hegemônico — o capitalismo na sua fase neoliberal.
Isso se manifesta nas relações internacionais com a perda gradativa do
papel dos EUA como potência hegemônica, em torno da qual giravam — e, em certo
sentido, ainda giram — a economia e a política mundiais, e no surgimento de
novos polos de poder, como China, Rússia, União Europeia, Japão e Índia, entre
outros. Estes procuram ir ocupando o espaço político e econômico deixado pelas
dificuldades que o imperialismo americano encontra para manter sob seu
controle.
Crise do capitalismo neoliberal e a nova ordem mundial
Acrescente-se a isso o desempenho vitorioso das experiências socialistas
em curso, como a China, o Vietnã, o Laos etc., que vão recolocando na ordem do
dia, sob novas condições, o socialismo como sistema econômico político e
social, capaz de apresentar uma saída para os impasses a que nos levaram a
hegemonia do capitalismos nos últimos séculos.
Tudo isso contribui para que as análises sobre como se desenvolverá a
nova realidade socioeconômica vigente no mundo neste século se constituam em um
desafio teórico e político hercúleo.
Ocorre que pouco ou quase nada tem sido questionado ou produzido
teoricamente no que se refere a como se desenvolverão, no transcorrer deste
século, os processos de mudanças revolucionárias que inevitavelmente terão de
ocorrer se quisermos superar os entraves — no fundamental de natureza
estrutural — que o capitalismo, em sua atual fase de financeirização, impõe ao
mundo, a ferro e fogo.
Por óbvio, na subjetividade da sociedade, não estão dadas as condições
objetivas para que se desenhem os caminhos a serem trilhados para levarmos as
massas a respaldarem processos de mudanças estruturais, ou seja
revolucionários, que a vida está a exigir em vários países do globo, com
destaque para o Brasil. Pelo contrário, vivemos um período em que as ideias e
propostas de cunho avançado, política e socialmente, não têm galvanizado amplas
parcelas da sociedade. Verifica-se, ao invés disso, um processo de desinteresse
pela busca de soluções políticas coletivas para os problemas que nos afligem.
Predomina a busca, no plano pessoal, de soluções individuais e, no plano
político-social, de lideranças messiânicas que apontem saídas para as múltiplas
crises que vivemos.
Ou seja, predomina, no inconsciente coletivo das amplas massas, uma
descrença na política como o meio onde seus problemas podem ser equacionados e
coletivamente resolvidos. E, como dissemos um pouco acima, predomina uma
atitude, despolitizada, com a qual se busca saídas individuais e messiânicas
que nada mais são que saídas políticas reacionárias para a superação dos
problemas que as afligem.
Assim, um dos temas que devem passar a fazer parte dos estudos e das
discussões, sobre como superarmos os graves entraves ao nosso pleno
desenvolvimento, é o do desafio de como avançarmos, nos tempos atuais, no rumo
de uma revolução socialista no Brasil. Ou seja, como se coloca, para os
revolucionários deste início de século, o “desafio de fazer a revolução”!
A questão é complexa e não comporta soluções simples. O século XX, visto
em retrospectiva, pode ser considerado um século de revoluções. As
consequências da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), entre potências
imperialistas, abriram caminho para a revolução bolchevique, em 1917, liderada
por Lenin; para a revolução húngara de 1919, liderada por Béla Kun; para a
tentativa de revolução na Alemanha em 1923; e para outros experimentos da mesma
natureza. Os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) criaram
um novo cenário propício ao avanço revolucionário, que, no bojo do amplo
movimento de descolonização impulsionado pela ex-URSS, criou as condições para
vitórias épicas, como a Revolução Chinesa de 1949, liderada por Mao Tsé-tung; a
do Vietnã em agosto de 1945, liderada por Ho Chi Minh, quando se libertou do
jugo do imperialismo francês; a revolução cubana de 1959, liderada por Fidel; a
da Argélia, também derrotando o imperialismo francês, em 1962; e várias outras
de cunho nacional e mesmo popular que levaram vários países africanos e
asiáticos à libertação do jugo colonial.
Porém, em todo esse complexo e multifacetado processo político que
possibilitou o desenvolvimento de caminhos revolucionários — que mudaram
radicalmente a ordem econômica, política e social desses países — vivia-se uma
conjuntura política na qual o capitalismo se encontrava numa fase de
reorganização de suas forças, com o deslocamento do poder hegemônico da
Inglaterra para os EUA. E, ao mesmo tempo — fruto da vitória das forças democráticas
na Segunda Guerra Mundial, e do papel nela desempenhada pela ex-URSS — existia
uma simpatia das massas populares em relação à experiência socialista que se
desenvolvia na ex-URSS. E esta tornou-se uma força política que se opunha ao
predomínio do capitalismo ocidental, e mesmo como força impulsionadora e
estimuladora do processo de descolonização e de revolu& ccedil;ão social em
vários países. Eram os tempos em que a chamada Guerra Fria modelava as relações
internacionais e interferia nas relações internas dos países.
Retrocesso após o colapso da URSS e o fim do século XX
Contudo, o evoluir do tempo e da história nos colocou, na última década
do século XX, diante de uma mudança significativa do ambiente político das
décadas anteriores. Com a derrocada da ex-URSS (1991), iniciou-se um processo
de regressão do ímpeto revolucionário, que tinha vigorado durante o século que
findava, e iniciamos um período de ascensão das forças reacionárias, e do
estabelecimento de uma nova fase no desenvolvimento do capitalismo. Nele
acentuaram-se a concentração de renda, o predomínio do capital financeiro sobre
o produtivo, o aumento da exploração da mão de obra assalariada, o
estabelecimento de relações capitalistas entre as nações regidas pelas regras
do neoliberalismo — que concentra riqueza nos países centrais do sistema,
impede o desenvolvimento dos países da periferia e redefine algumas conquistas
sociais que permitiram a existência de um certo estado de bem-estar social, nos
países centrais do capitalismo: os EUA, os países da Europa Ocidental e o
Japão. E, mais significativo, para a formação de uma consciência progressista —
e mesmo revolucionária — das massas, o desmoronamento da ex-URSS passou a ideia
de que não é possível a existência de um regime socioeconômico fora dos marcos
do capitalismo.
Brasil no século XXI: entre reação e resistência
É diante desse cenário que se coloca, para nós no Brasil, o desafio de
trilhar o caminho revolucionário no século XXI. Vivemos numa fase da vida
nacional, na qual as forças de direita e extrema-direita passaram a ter um
protagonismo político institucional e parlamentar que há décadas não se
presenciava. Do fim da ditadura, em 1985, e particularmente a partir da
vigência da Constituição de 1988, até os dias atuais, por meio de complexos
movimentos políticos, fomos dirigidos politicamente por uma direita tradicional
calcada nos moldes do liberalismo clássico e do neoliberalismo.
Tivemos, nesse percurso, o interregno dos governos Lula e Dilma
(2003-2016) que, embora não tenham realizado as reformas estruturais que o país
necessita para superar o seu atraso secular, implementaram políticas sociais
que mitigaram as duras condições das camadas populares, e mais vulneráveis da
sociedade, e retomaram políticas econômicas com as quais o Estado passou a ter
um papel de indutor do desenvolvimento e atuou na cena internacional de forma
proativa e soberana. Porém, nesse pequeno intervalo — quando a ascensão de
camadas pobres da sociedade lhes permitiu ter acesso a alguns bens de consumo
que iam além da subsistência precária em que sempre viveram —, elas passaram a
consumir bens de consumo muito além dos itens da cesta básica; frequentar os
shoppings centers; viajar de avião; ingressar nas universidades de ponta.
Ou seja, quando na sociedade começaram a surgir os sinais de que se
realizava, a partir de políticas governamentais, um tímido processo de
redistribuição de renda, as forças reacionárias se articularam, mobilizaram
incontáveis meios materiais e espirituais, conspiraram e, por meio do impeachment
realizado contra a presidente Dilma Rousseff (2016), levaram ao fim essa tímida
experiência de um governo preocupado com o povo. E assim abriram caminho para
que a insatisfação latente que existia na sociedade fosse capturada pela
extrema-direita, que elegeu Bolsonaro presidente.
Porém, o governo Bolsonaro (2019-2022) foi um verdadeiro desastre
político e social, e, em uma campanha difícil e polarizada, foi derrotado por
Lula, que, em 2023, assumiu seu terceiro mandato como presidente.Embora as
forças progressistas, em conjunto com forças de centro — formando uma ampla
frente política anti-Bolsonaro —, tenham eleito Lula presidente, as condições
que Lula encontrou e enfrenta, nesse seu novo governo, são muito diversas da
situação que existiu em seus governos anteriores.
A composição do Congresso Nacional eleito é fundamentalmente
conservadora e mesmo reacionária. A extrema-direita, além de contar com
expressiva bancada parlamentar, ainda dirige oito importantes estados da
federação, dezenas de municípios, estando presente de forma ativa e militante,
em todo o território nacional, e controlando um complexo e sofisticado sistema
de comunicação digital, que mantém em constante mobilização suas bases
políticas. É nesse cenário que temos de pensar o desafio de lutar pela
revolução no século XXI.
Reformas estruturais e a perspectiva revolucionária no Brasil atual
Assim, a luta por reformas estruturais — que são defendidas por certas
forças políticas de esquerda, com destaque para o PCdoB — tem diante de si o desafio de como
levar adiante essa luta nos marcos do Estado Liberal Burguês que nos governa.
Pois essas reformas só serão efetivadas se forem introduzidas mudanças em
profundidade na atual estrutura política do Estado brasileiro.
De saída, é necessário realizar uma reforma Constitucional, que em certo
sentido reescreva a atual Constituição, fazendo-a retornar aos termos com que
foi escrita e aprovada em 1988, pois, ao longo dos anos, ela foi tão
profundamente modificada no sentido de fazê-la retroceder nas conquistas que a
fizeram merecer o nome de Constituição Cidadã, que, hoje, mais se assemelha a
uma colcha de retalhos. Em alguns de seus dispositivos atuais se estabelecem
flagrantes contradições, em relação aos originalmente nela inscritos, fazendo
com que se torne inviável a luta por um Projeto Nacional, autônomo, soberano e
socialmente mais justo.
Por um lado, da forma como estão conformadas as forças políticas, e
estruturadas as instituições que dirigem o atual Estado Nacional, e, por outro,
com a baixa participação das forças sociais objetivamente progressistas — em
tese, as mais interessadas nas mudanças estruturais necessárias para destravarmos
os caminhos para a nossa realização como Nação soberana —, teremos pela frente
um árduo caminho, para não dizer a impossibilidade de levar à frente esse Novo
Projeto Nacional de Desenvolvimento. Dificuldades essas que, pela magnitude e
complexidade, não serão superadas nos marcos da luta institucional e
parlamentar, mas estão a exigir uma verdadeira revolução social para seu êxito.
Cabe a nós, do campo progressista e democrático consequente, e mormente
aos socialistas e comunistas, enfrentarmos o desafio de desbravar os caminhos
da Revolução Socialista no século XXI. Essa tarefa deve começar desde já pelas
forças acima referidas, que, apoiando-se nas experiências históricas, mas
fundamentalmente referenciadas na realidade dos dias atuais — do Brasil e do
mundo — busquem construir as bases teóricas, políticas e sociais que nos levem
a trilhar o caminho emancipacionista da Revolução Social.
Ronald Freitas é membro do Comitê Central do PCdoB e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Estado e Instituições da FMG.
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