18 junho 2025

Uma crônica de Abraham Sicsu

Viva São João!
Abraham B Sicsu 

Duas festas populares. Marcam o Nordeste Brasileiro. Carnaval e São João. Carnaval de rua, sempre participativo, explosão de alegria, assumindo as fantasias do imaginário, nos expomos, nos desnudamos.

São João, um dia que se tornou um mês, ou muito mais, de fraternidade e simbolismos, nele nos encontramos, voltamos a nossas origens. Minha festa favorita.

Cheguei a Recife em 1979. Vinha fazer Mestrado. Uma colega, amiga Rosa, nos convida. Venham para o Palhoção da minha família. Não sabíamos o que era, mas fomos.

Em Afogados, dois quarteirões de uma transversal de avenida movimentada. A rua fechada. Um toldo enorme, muito bem ornamentado. Zabumba, triângulo e sanfona. O ritmo se faz presente. Os compositores bem conhecidos, Gonzagão, Dominguinhos e os locais como Maciel Melo e Santana, música a noite toda.

Uma camisa quadriculada e a saia de chita. Moças com blusas de flores. Homens têm que ter chapéu de palha. Abraços nos recebem, bebida como combustível, tem que aguentar até o alvorecer.

Na época havia balão. Politicamente incorreto, mas um céu lindíssimo. Multicor, com tochas parecendo estrelas bem próximas. A lua era bem cheia. O céu bem estrelado. O mágico se manifesta. Dançando a não poder mais, sentindo nos pés o pulsar dos convidados.

Comidas que nos fascinam. Tudo de bom e do melhor. Canjica, pamonha, milho cozido e assado. O cereal místico é o grande mote da comilança.

Os bolos, uma loucura. Pé de moleque, de macaxeira com coco, Souza Leão, de milho, e muito mais. Tapioca e amendoim acompanham. Fartura de sabores e cores, começamos a entender o porquê das festas juninas serem especiais no nosso querido Nordeste.

Vai ter quadrilha, da tradicional. Sem alegorias e adereços. Não é escola de samba, afinal. O improviso fundamental. Puxador chama, os pares se formam. À francesa medieval começa o desfile. Alavantú, anarrié, olha chuva, passou. Casais se confundem, se atropelam, erram nos passos. Nada muito certinho, isso dá a graça, confraternização a palavra mágica. Noite descontraída, jamais sairá da memória.

Saudade dos Palhoções, se espalhavam pela cidade. Famílias organizavam, meses de planejamento, enfeitar as ruas, escolher os músicos, idealizar o lugar da dança apinhada de confrades, tudo está acabando, o crescer da cidade dificulta essas intervenções sociais.

1989, trabalhava num instituto tecnológico. Um colega era de Altinho. Fez uma bela provocação. Querem conhecer o verdadeiro São João, venham comigo. Fomos.

Um sítio no meio do mato. Não havia luz elétrica. Lampiões são espalhados. O chão de terra batida. O trio tocador animado. Lapadas de cana como combustível. É dança a noite toda. Festa de amigos, todos se conhecem, menos nós. Mas, somos muito bem acolhidos.

Nada de se isolar, tem que participar. Céu de estrelas, muita comida, um grupo bem animado.

O bodinho guisado, o coxão de porco assado. Muito caldinho e cerveja. O baile continua. Casais se escondem. Todos sabem aonde. Beijos, abraços, num juntar de corpos ao ritmo da música. Com algum respeito, claro, para não ofender os donos da casa.

Vão chegando os primeiros raios. O sol vai despontar. Nova mesa é posta e os lampiões apagados. O caldeirão de mungunzá para revigorar, trazer energias para o forró continuar. Uma noite inolvidável, uma festa para não por nenhum defeito.

Gerson veio da Mata Sul. Festeiro e animado. Sabe organizar a alegria, tornar vivos os momentos de convivência. Somos um grupo de professores amigos. Sempre nos reunimos para confraternizar. Um ano, se não me engano 1995, resolve que passaremos juntos as festas juninas.

Alugamos um bar, providenciamos as comidas, chamamos todos os queridos. O importante era estarmos presentes e unidos. O lugar tem bandeirolas e a música vai começar. No princípio, não sei se era trio ou radiola de ficha.

Uma surpresa emociona. Convidam Josildo Sá, cantador de primeira. Ele topa e vem.  Com seu jeito eletrizante, com sua música falante, aprendemos o que é samba de latada.

Uma noite esfuziante, um litro de rum por mesa, pelo menos na minha, e quem não bebe consegue até garapa de cana, aparece uma engenhoca artesanal.

Recife tem grandes festas. Quartel General do São João, o Sítio da Trindade.

Festa popular com grandes shows, com concurso de quadrilhas, aquelas toda enfeitadas parecendo escolas de samba. Tem, também, muito forró, a noite toda, numa sala de reboco. Gostamos muito, sem preconceito contra o apertado dos salões de baile, todo ano vamos.

2010, vou morar ao lado do Sítio. Na véspera de São João, todo ano, recebo os amigos. Lá pelas 18 h. Uma mesa com todas as guloseimas da época. O cachorro quente, uma maravilha. De carne moída com linguiça triturada. Dona Teresa faz o melhor pé de moleque que existe, os bolos vêm da padaria do Rosarinho.

Acendemos uma mini fogueira para reverenciar o Santo. Na verdade é uma vela daquelas grandes aromatizadas. Serve também para alimentar os fogos. Chuvinha e estrelinhas os preferidos. As crianças e o traque de massa. Um barulho aguentável, principalmente pela felicidade dos pequeninos.

São cerca de 20 horas. Hora de ir para o vuco-vuco do Sítio. Ver os shows, encontrar amigos.

No apertado nunca há mesas. Salsichão e acarajé completam o bucho já cheio. Uma caipirinha de frutas da época, uma cerveja gelada. Crianças alugam pôneis e se sentem heróis de faroeste. Só alegria, só divertimento.

Este ano, 2025, um programa diferente. Queridos amigos nos convidam para ir a Floresta. Cidade do Sertão onde se sabe fazer festas. Nas fazendas, no centro urbano. Temos certeza que será muito divertido. Quando voltar conto.

Ilustração Anita Malfatti

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