26 junho 2025

Uma crônica de Abraham Sicsu

Festa Junina é em Floresta do Navio
Abraham B. Sicsu  

Fazia mais de 20 anos que lá não íamos. A cidade, hoje pacificada, longe da querela feroz entre famílias, sempre bela. Verdade, não desapareceu a pendenga, a divisão, mas já é muito bem administrada. Limpa, com muitas praças, com um parque novo. Principalmente, com gente hospitaleira que nos acolhe. Mais de 30 mil habitantes felizes e proseadores.

Seis dias de muita festa, de muita alegria. Chegamos de madrugada e lá nos esperavam. Com direito a um lauto café da manhã sertanejo. Queijos, comidas de milho, muitos bolos. A festa iria começar.

Um dia de descanso e comprinhas. Andar toda a cidade. Conhecer o parque novo, ver a melhoria das praças.

A fábrica de xô boi, sandálias típicas da região. Elegantes, bonitas. Os doces de tamarindo e umbu, os licores da terra. O artesanato local.

Uma loja interessante. Todas as quinquilharias inimagináveis. Oito ou dez televisores de válvula, funcionando, pegando mais de 80 canais. O dono garante que não troca pelas de 4G atuais.

O almoço nunca sai cedo. É preciso degustar os tira gostos. Bodinho assado não pode faltar. A carne de carneiro, a galinha na brasa, o feijão verde, as azeitonas e o amendoim. De quebra uma berinjela bem temperada em caponata.

Música só da época, em que impera o Rei do Baião. Dominguinhos se faz presente, Santana e Maciel Melo estão ali. O som da sanfona, zabumba e triângulo estão vivos.

Para molhar a goela, cerveja, vinhos e, para quem gostar, um whiskinho. Muito papo, muita zoação, algumas mentirinhas. Momentos extremamente agradáveis com pessoas que são do nosso coração.

Sucos de frutas locais, limonadas para refrescar, um bom café e chá de casacas de árvores.

Um fato curioso. Entregaram um saquinho dizendo que era ameixa. Felipe, jovem amigo, disse que deveriam ser desidratada e me deu para provar. Descobrimos que existe uma árvore nativa que tem uma casca que faz um belo chá. Fiquei com gosto de madeira na boca.

Galinha no molho, bode guisado, carne de sol, indispensáveis para encher o bucho, na refeição principal. Muita salada e um bom pirão. Puré de jerimum e um belo rubacão de feijão-verde, arroz molinho, queijo coalho, queijo da fazenda e nata, tudo misturado, acompanham maravilhosamente bem.

Os doces, vixe meu Deus, que loucura. Os em calda, os bolos, o pavê de umbu, a ambrosia, o de leite, os de coco, um banquete à parte. Impossível inventar regime, dizer que quer manter a forma.

Dois dias na Fazenda Fonseca. Convivência com os fraternos amigos. O ambiente do sertão, as cactáceas e o solo rachado, imagens do imaginário, amenizadas pelo inverno.  A vegetação rasteira, as árvores de pequena envergadura, mas tudo verde ainda.

Os animas que vivem soltos. Os bodes de raça, os cavalos quarto de milha e manga larga, o gado, as guinés e as galinhas. Fascínio do sertanejo que gosta da terra, que ama suas criações. O bebedouro, o sal preparado, que atrair os animais. É final de tarde, os animais não se perdem e voltam para matar a sede.

As histórias de vaquejadas. Os pega de boi e os seus heróis. Esporte que devia ser olímpico, segundo o dono da fazendo, os caseiros e os moradores locais. Unanimidade. Horas de papo descontraído.

Um menino e seu dom. Dez anos e é aboiador. Repentista da melhor qualidade. Qualquer mote, qualquer tema, serve para uma apresentação. Virei “meu amigo Abraião”. Adorei.

20 de junho, aniversário da cidade. Com direito a palanque e discurso. Público bem pequeno admira a orquestra sinfônica que se apresenta. Meninos de escola fazem evolução. Música, da junina ao frevo.

A cidade se prepara para as festas de São João. Nas ruas, nas fazendas, nas praças.

Duas festas que nos marcaram. Gente que sabe se divertir, pessoas que se conhecem e se respeitam. Sentimo-nos como locais, devemos ter vivido lá em vidas passadas. Tratados como se fossemos nativos pelos amigos dos amigos.

Numa fazenda, não muito perto, indo por estrada de terra, bem sinuosa, teve festa. As camisas quadriculadas, as saias rodadas com flores decorando, os enfeites de cabeça, o milho como pingente. Balõezinhos coloridos nas orelhas.

“Dale forró” a noite toda. Um trio da melhor qualidade, Dois sanfoneiros que se revezam. Um tocador de triângulo, cantor com um vozeirão. Zabumbeiro ensinando passos sofisticados ou atrapalhados, não sei bem definir. Música que contagia, é preciso suar o tempo todo.

Uma mesa para esquentar o bucho. Não só comida, também bebida. O cachorro quente de carne moída, o mungunzá salgado com uma linguicinha, o bodinho na pressão, os pasteis, os salgados, a pipoca. Doce também não falta. Pé de moleque de amendoim, a canjica, a pamonha, tudo que com milho pode se fazer. A bebida diversificada. Até meu Montila se fez presente. Dançamos a não poder mais. No chão de terra batida. Mostramos nossas habilidades.

O difícil foi passar mico. Nossa mais que querida anfitriã é prima da dona da festa. Chama para eu ir ao palco. Cantar em coral música que conhecemos. Na hora tocam outra. Não sabia uma palavra. Fiquei mexendo a boca, fingindo que cantava. O pior é que filmaram. Meu disfarce foi descoberto.

Na véspera de São João, a festa é na cidade. Na rua de baixo, atrás da catedral. Muito bem organizada, muito bem estruturada.

Barraquinhas de comida. Os pasteis, a pizza pequenina, a diversidade de salgados. Um barzinho e a bebida. Nada falta, tudo se faz presente, desde o mungunzá doce, com milho branco, até o bolo de macaxeira com muito coco.  Delícias imperdíveis.

Todos dançam, o salão praça superlota.

Nossos amigos são conhecidos e muito admirados na cidade. Cada chegada, muitos abraços. Aprendi o que é confraternização de verdade. Amigos é que não faltaram. Minhas costelas ainda doem de tanto arrocho levado, tanto afago apertado. Abraços bem dados.

O estranho é que ao invés de nós agradecermos, os locais é que o fazem. Felizes por termos prestigiado a festa.

Encontramos a querida professora Eurides. Mestra desde os primórdios da cidade no colégio secundarista. Cantora de primeira. Com idade avançada se faz presente. Domínio do vernáculo não lhe falta, a voz às vezes falha, mas é muito potente. Elogia a sua terra e a nós por termos escolhido Floresta para o São João.

Paulinha, a mais elegante. Muitas décadas de energia. Traz o mano de Salvador. Nunca vi tanta alegria, disposição não lhes falta. Mostra de que os anos só nos melhoram, só podem nos fazer mais jovens. Pelo menos de cabeça, se quisermos.

As fogueiras se espalham. Na cidade ou nas fazendas mantém-se o costume de acendê-las. Símbolo que comemora o nascimento de São João Batista. Celebração do encantamento, purificação das mazelas da alma, união dos de casa e fraternos. Proteção para o resto do ano. Toda festa tem uma fogueira, fascinados admiramos.

Fogos pipocam no ar. Desde as inocentes estrelinhas, chuvinhas e traque de massa, passando pelos vulcões e rojões, chegando a bombinhas e bombas mais espalhafatosas. Luzes e ruídos fazem-se necessários. Lembrando que em tempos idos era comemoração do solstício de verão. A noite se faz longa, o sol demora a nascer, precisamos chamá-lo. Ou , se a energia der, ignorá-lo por mais tempo.

O dia da ressaca, último da nossa estada. Ressaca não de bebida, mas da saudade do que passou. Juras são feitas. Ano que vem de novo cá. Será?

Ilustração: Heitor dos Prazeres

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Uma crônica de João Cabral de Melo Neto https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/uma-cronica-para-descontrair.html 

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