04 julho 2025

Palavra de poeta

Catar feijão
João Cabral de Melo Neto 

1.

Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

 

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco,
o de que, entre os grãos pesados, entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.

 

Ilustração: Adélio Sarro

Leia também um poema de Mario Benedetti https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/palavra-de-poeta-mario-benedetti.html 

Nenhum comentário:

Postar um comentário