04 agosto 2025

Operação insidiosa das big tech

Ofensivas de Trump apenas vulgarizam o que as big tech já fazem desde sempre
O investimento das big tech em think tanks, grupos de pesquisa em universidades privadas, conferências de privacidade de dados e outros espaços de debate sobre tecnologia criam um ambiente de promoção da ignorância e esquecimento sobre o histórico e o presente antidemocrático das big tech
Juliane Cintra e Tarcizio Silva/Le Monde Diplomatique   

É 2012 e pesquisadores do Facebook realizam experimento de manipulação psicológica com algoritmos e chocam-se ao perceberem que esqueceram que a plataforma foi criada para ranquear estudantes de forma misógina. É 2015: pesquisadoras identificam que recursos do Facebook ocultaram mobilizações do Black Lives Matter. É 2017: massacres em Myanmar levam à fuga de centenas de milhares – Anistia Internacional aponta papel da promoção algorítmica do ódio. É 2018, o escândalo da Cambridge Analytica reforça o poderio das big tech em influenciar eleições. É 2021, funcionários da Google e Amazon protestam contra o Projeto Nimbus, que oferece IA e infraestrutura digital ao apartheid israelense. É 2025: ferramenta Grok exalta Hitler no X, antigo Twitter. Caso relembra o célebre Tay B ot da Microsoft, que fez o mesmo no Twitter em 2016. 

É janeiro de 2025: Mark Zuckerberg (Meta), Sam Altman (OpenIA), Elon Musk (X), Sundar Pichai (Google), Jeff Bezos (Amazon) e Peter Thiel (Palantir) participam da posse de Donald Trump, costuram novos contratos e abandonam compromissos de fachada – nunca realmente cumpridos – ligados à sustentabilidade, diversidade e transparência. No Brasil, a Advocacia Geral da União realiza audiência pública em reação à repentina mudança de termos de uso das plataformas. As empresas não enviam representantes. 

Junho de 2025. Brasil lança, com pouca escuta da sociedade civil, versão atualizada “Plano Brasileiro de Inteligência Artificial” que inclui diversas menções positivas a empresas como OpenIA e, apesar de incluir menções à “redução da dependência externa”, as ações e investimentos são eclipsados pela enormidade de gastos que o país tem com as big tech. Só em 2024, foram R$ 10 bilhões gastos em ferramentas, softwares e serviços de nuvem que, ainda, vulnerabilizam dados de brasileiros. Pouco antes, o ministro da Fazenda se reuniu com representantes da Amazon e da Nvidia para levar um plano de incentivos fiscais para construção de data centers no Brasil. Brasileiros ainda não conhecem as condições do plano

Chegamos a agosto de 2025 e a vulgaridade das ofensivas de Trump tem parceiros e beneficiários muito evidentes. Em declaração cheia de desinformação, a Casa Branca afirmou que a motivação para taxar desproporcionalmente o Brasil inclui as supostas ações do país para “tiranicamente e arbitrariamente coagir empresas dos EUA a censurar discurso político, desplataformizar usuários, entregar dados sensíveis ou mudar suas políticas de moderação”.  

O Brasil sofre de síndrome de Estocolmo com as big tech – o triste fenômeno psicológico quando vítimas de sequestro ou abuso desenvolvem sentimentos positivos e de dependência com seus agressores. As evidências do papel das big tech e capital financeiro sedento por usar tecnologias digitais e IA para aprofundar explorações parecem ser ignoradas por políticas públicas, ao mesmo tempo que a sociedade civil organizada não consegue espaço para participar – ou ao menos ter acesso a informações que deveriam ser transparentes. 

As más decisões do Estado brasileiro sobre as big tech não acontecem num vácuo. Tais empresas são muito mais sofisticadas para incidir politicamente que a expressão mais agressiva do trumpismo deixa transparecer. Parte expressiva do Congresso Nacional brasileiro tem sido capturada pela influência dessas corporações, que contam com acesso privilegiado aos espaços decisórios e conseguem pautar a agenda legislativa em favor de seus interesses.  

O abuso de poder econômico de grupos como Meta, Alphabet e Microsoft se manifesta não só na pressão sobre parlamentares, mas também na influência exercida sobre outros atores no campo da governança das tecnologias digitais. O investimento das big tech em think tanks, grupos de pesquisa em universidades privadas, conferências de privacidade de dados e outros espaços de debate sobre tecnologia criam um ambiente de promoção da ignorância e esquecimento sobre o histórico e o presente antidemocrático das big tech e o que representam. 

Nesse contexto, o avanço da regulamentação das plataformas de redes sociais no Brasil, muitas vezes alardeado como censura prévia, aparece atravessado pelo lobby e pressão do setor privado, escancarando como seu poder se infiltra nas instituições e corrói a capacidade de defesa de um processo democrático efetivo. 

Os impactos negativos da ofensiva de Trump a tantos setores brasileiros diferentes e os decorrentes benefícios de apoio ao governo federal na opinião pública, assim como a fragilização da confiança nos Estados Unidos, abrem uma janela de oportunidade ímpar. Agentes públicos, sociedade civil e pesquisadores acadêmicos, assim como o empresariado nacional responsável, podem tomar melhores decisões que reconheçam que o problema vai muito além de Trump – e que precisamos de um imaginário tecnológico de futuro que inclua soberania digital de forma significativa. 

Juliane Cintra é jornalista, mestra em direitos humanos e coordenadora do projeto Nanet. 

Tarcizio Silva é comunicador, doutor em ciências humanas e sociais e consultor do projeto Nanet. 

[Se comentar, identifique-se]

Unir o Brasil para rechaçar ataque de Trump https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/palavra-do-pcdob_11.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário