Moraes aponta Bolsonaro como chefe da organização criminosa golpista
Ministro destaca a “unidade de design” do núcleo crucial e mostra como grupo agiu, sob o comando do ex-presidente, para atacar o sistema eleitoral e instigar a população
Priscila Lobregatte/Vermelho
O ex-presidente Jair Bolsonaro chefiou uma organização criminosa golpista que agiu com “unidade de design” no sentido de garantir a perpetuação de seu grupo político no poder, independentemente da vontade popular expressa nas urnas. Essa foi a essência da parte do voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo sobre a tentativa de golpe, na sessão de julgamento desta terça-feira (9).
Moraes dividiu seu voto em 13 elementos centrais (veja lista abaixo) que demonstram a maneira como o núcleo crucial — formado pelo ex-presidente e outros sete réus, a maioria militar — agiu, de maneira orquestrada, com uma especificamente clara de levar a cabo um golpe de Estado.
Ao tratar do elemento primeiro — a utilização de órgãos públicos para o monitoramento de adversários políticos e a execução da estratégia para atentar contra o Poder Judiciário, desacreditando a Justiça Eleitoral, o resultado das eleições de 2022 e a própria democracia — Moraes disse que a finalidade do grupo era muito clara: “evitar o sistema de freios e contrapesos exercido pelo Judiciário” e a “perpetuação no poder”.
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Dentre as estruturas públicas utilizadas pela organização criminosa foram incluídas a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) à época chefiada pelo hoje deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), encabeçado pelo general Augusto Heleno.
Moraes lembrou, então, da agenda de Heleno, apreendida pela Polícia Federal, que foram feitas anotações sobre diretrizes e ações a compromissos. “Não é razoável achar normal um general quatro estrelas do Exército, ministro do GSI, ter uma agenda com anotações golpistas, preparando a execução de atos para deslegitimar as eleições, o Judiciário e se perpetuar no poder”, salientou.
O ministro lembrou ainda dos documentos “Relatório de análise da urna eletrônica” e “Relatório de inspeção de códigos fontes no sistema brasileiro de votação eletrônica”, ambos em posse do geral. “Tudo isso já seria extremamente estranho se não configurasse o primeiro ato executório na preparação do discurso que foi usado na sequência da live pelo réu Jair Messias Bolsonaro e que, a partir daí, criou não só esse clima de antagonismo contra o Judiciário por parcela da sociedade, mas também a sequência de graves ameaças”, ponderou.
Na sequência, Moraes de destacou que com Ramagem, “identificou-se, também, a existência de documentos em claro alinhados com as anotações e documentos em posse de Augusto Heleno, demonstrando a unidade de organização de projetos dessa criminosa”.
Segundo Moraes, um desses documentos, denominado “presidente-tse”, continha tópicos e argumentos contrários ao sistema de votação e imputando fraudes à justiça eleitoral — identificadas ao que foi dito depois em live de Bolsonaro.
Moraes lembrou que Ramagem confirmou a titularidade do documento e do e-mail em que foi encontrado, ressaltando, porém, que as anotações eram só para ele. “Uma espécie de meu querido diário”, ironizou Moraes.
O ministro acrescentou não ser razoável a alegação de Ramagem de que esses documentos eram apenas para guardar suas “ideias e pensamentos” e terem mensagens “escritas e direcionadas ao então presidente e réu Jair Messias Bolsonaro, depois utilizadas na live”.
Gabinete do ódio
Dando continuidade ao seu relatório, Moraes salientou que a partir da live de Bolsonaro de 29 de julho de 2021, com ataques ao sistema eleitoral, "verificou-se a utilização do mecanismo que ficou muito conhecido, a partir do gabinete do ódio: as designadas milícias digitais. Ou seja, a live era realizada para, imediatamente, a partir de um complexo sistema de financiamento, produção e divulgação e com utilização de robôs, inclusive, divulgar essa desinformação de forma massiva para, realmente, atentar contra os poderes constituídos”.
O ministro prosseguiu dizendo que “o réu Jair Messias Bolsonaro deu sequência a essa estratégia golpista, estruturada pela organização criminosa sob a sua liderança para colocar em dúvida o resultado das futuras eleições, sempre com a especificamente específica de obstruir o funcionamento da Justiça Eleitoral, atentar contra o Judiciário e garantir a manutenção de seu grupo político no poder, independentemente das eleições vindas”.
Moraes também se contrapôs à fala de Bolsonaro, na live, em que ele dizia: “onde as Forças Armadas não acolheram um chamamento do povo, o povo perdeu sua liberdade”. O ministro, então, afirmou que “no Brasil, toda vez em que as FA acolheram um 'chamamento' de um grupo político que se diz representante do povo, nós realmente golpe, estado de exceção, ditadura”.
O ministro político que essa linha discursiva também foi verificado nos depoimentos de pessoas presas pelos ataques de 8 de janeiro de 2023, mostrando o objetivo de insuflar parte da população para a criação de uma situação de caos que leva as Forças Armadas a decretarem.
Em mais um momento em que colocou Bolsonaro como líder do grupo golpista, Moraes lembrou de entrevista em que o ex-presidente disse: “Só saio preso, morto ou com a vitória. Quero dizer aos canais que eu nunca serei preso”. O ministro argumentou que nessa fala, “o líder do grupo de violência deixa claro, de viva-voz, de forma pública para toda a sociedade, que jamais aceitaria uma derrota democrática nas eleições, que jamais aceitaria ou cumpriria a vontade popular”.
O Sete de Setembro de 2021 também foi apontado por Moraes como um momento em que Bolsonaro passou a fazer uma série de ameaças e afirmou categoricamente que, a partir desse momento, descumpriria ordens judiciais, além de instigar milhares de pessoas presentes e outros milhões pelas redes sociais contra o poder Judiciário.
E, sobre a reunião ministerial de julho de 2022, Moraes destacou: "essa não foi uma reunião ministerial; foi, talvez, na forma, mas não no conteúdo. Foi uma reunião golpista em que se pretendia arregimentar mais ministros, servidores e, principalmente, os comandantes das FA para o projeto dessa organização criminosa".
Elementos norteadores do voto de Moraes
Para organizar seu voto, o ministro Alexandre de Moraes distribuiu 13 pontos que mostram a atuação do núcleo crucial da trama. Durante a leitura, ele foi mostrando como cada um desses itens se desdobrou em evidências e ações concretas por parte dos réus, movimentos o golpe de Estado:
1) Utilização de órgãos públicos para o monitoramento de adversários políticos e a execução da estratégia de atentar contra o Poder Judiciário, desacreditando a Justiça Eleitoral, o resultado das eleições de 2022 e a própria democracia;
2) Atos executórios com graves ameaças à Justiça Eleitoral: live de 29 de julho de 2021, entrevista de 3 de agosto de 2021 e live de 4 de agosto de 2021, além das graves ameaças à Justiça Eleitoral;
3) Tentativa, com emprego de grave ameaça, de restrições ao exercício do Poder Judiciário, em 7 de setembro de 2021;
4) Reunião ministerial de 5 de julho de 2022;
5) Reunião com embaixadores, em 18 de julho de 22;
6) Utilização indevida da estrutura da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições;
7) Utilização indevida da estrutura das Forças Armadas em relação ao relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação do Ministério da Defesa;
8) Atos executórios após o segundo turno das eleições (ao vivo em 4 de novembro de 22); ações de monitoramento de autoridades em 21 de novembro de 22; representação eleitoral para verificação extraordinária; reunião dos kids pretos em 28 de novembro de 22 e elaboração da Carta ao Comandante; atos violentos no dia da diplomação de Lula e Alckmin em 12 de dezembro de 22, com tentativa, inclusive, de invasão ao prédio da PF; colocação de bomba — que acabou não explodindo — em trecho nas proximidades do Aeroporto de Brasília em 24 de dezembro de 22;
9) Planejamento “Punhal Verde e Amarelo” e operação “Copa 2022”;
10) Atos executórios seguintes ao planejamento do Punhal Verde e Amarelo: monitoramento do presidente eleito, operações Luneta e 142, e discurso pós-golpe;
11) Minuta do golpe e apresentação aos comandantes das FA;
12) Tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 23;
13) Gabinete de crise após consumação do golpe de estado.
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Encontro com a história https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/encontro-com-historia.html
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