31 outubro 2025

Abraham Sicsu opina

Cuidado: o porta-aviões está chegando
Abraham B. Sicsu  

Eventos marcam. Em épocas diferentes. Fazem refletir, repensar posições nada simples, nada cômodas. As supermáquinas pontuam momentos políticos de impasses, de indefinições. Os porta-aviões chegam.

Governo de João Goulart, 1962. Estava acabando o primário e tinha dois colegas de classe sobrinhos de artista famoso. Éramos moleques, metidos a intelectuais, acreditando que fazíamos a revolução.

Seu tio, um músico sátiro, muito dotado, extremamente inteligente: Juca Chaves. Fez uma música que nos foi apresentada em encontro, acredito, na casa dos sobrinhos. A música fez sucesso e marcou época. Um trecho dizia:

“Brasil, terra adorada
Comprou porta aviões
Oitenta e dois bilhões
Brasil, oh pátria amada
Que Palhaçada.”

Crítica feroz ao gasto público em um bem que não se via sentido. Pelo menos, para ele e seus admiradores, e para as crianças que éramos.

A embarcação se chamou Minas Gerais, Foi o primeiro porta-aviões da Marinha Brasileira. Velho, verdade, seria usado na Segunda Guerra, mas nem isso foi, ficou um tempo com a Austrália e compramos de segunda mão.

Tinha sido adquirido em 1956, bem antes do governo da época da música, não importava para os críticos, do governo britânico e ficou na ativa até 2001 quando virou sucata, após muitas tentativas frustradas de venda. Podia levar até 20 aeronaves entre aviões de combate e helicópteros. À época impressionavam os números. Mais de mil pessoas envolvidas em sua operação. Símbolo de orgulho nacional, diziam nossas autoridades engalanadas. Finalmente tínhamos um.

Os críticos, ao contrário, questionavam. Um equipamento cuja explicação era pouco convincente. Uma plataforma de aviões em pleno mar, para quê? Aproximar as aeronaves por mar de quê objetivo?  Ter por ter fazia algum sentido?

A galera delirava e escarnecia de um Governo que já era frágil. Não se sabia o caos que estávamos apoiando e que estava sendo armado.

Agora, no jornal da sexta feira, dia 24 de outubro de 2025, uma notícia chama a atenção. Os Estados Unidos da América autorizam uma missão militar junto com o governo de Trinidad e Tobago. O maior porta-aviões do mundo será deslocado para a região. Mais precisamente para as ilhas em frente à Venezuela.

O Gerald Ford é uma monstruosidade. Movido por um gerador de energia nuclear. Segundo a CNN, tem envolvidos em sua tripulação cerca de cinco mil pessoas, uma mini cidade, e pode transportar noventa aviões. Além, de mísseis balísticos e armamentos ultrassofisticados. É acompanhado por uma frota de navios e equipamentos de guerra de tecnologia avançadíssima e aeronaves ultramodernas.

A justificativa desse deslocamento para o Mar do Caribe não é apenas treinamento militar, envolve um clima de mistérios pouco desvendados. Além de uma posição política assumida, de acusações antes dos fatos serem provados.

Quer-se combater o narcotráfico, sem provas até agora de que este se reconcentra na região norte do continente sul-americano, mais precisamente em dois países andinos. Até já, como teste, atiraram umas bombinhas que afundaram dez embarcações pequenas, sob o dito pretexto, e levaram à morte de 37 pessoas.

A poucos quilômetros da Venezuela, o arquipélago de Trinidad e Tobago, vai receber fuzileiros navais americanos para exercícios de preparação militar. No domingo, 26 de outubro, chegou o USS Gravely, um navio de guerra lançador de mísseis, ancorado a cerca de 10 quilômetros da Venezuela.

Procuram-se os reais alvos. Parece que dois personagens e dois países estão na mira, Petros e Maduro, Colômbia e Venezuela. Implicitamente, para avisar a China e a Rússia que aqui não devem se meter, o território é deles. Não há concessão ou discussão.

Colômbia que foi o principal aliado americano no combate aos cartéis e ao narcotráfico recentemente. Colômbia onde foi anunciado, em conjunto com os americanos, o fim dos grandes cartéis das drogas. Mas, isso não é relevante.

O dito Imperador do Mundo não sabe o que é soberania, não aceita a autodeterminação dos povos, para ele, Sul América é quintal americano, tem que se submeter a seus desejos.

Nos últimos meses os “yankees” inventaram uma nova guerra. Não teórica, mas real, mobilizando caças, submarinos e embarcações em operações de combate às drogas na região.

Mesmo sem ter muita certeza de que os barcos e lanchas atacados tinham efetivamente ligação com o narcotráfico. Nenhuma prova concreta apresentada. Sem limite territorial, nos mares do Caribe e do Pacífico. 

Trump tem o discurso na ponta da língua. Maduro e Petros são líderes de movimentos de narcotraficantes. E deu uma ordem explícita. A CIA tem que atacar os dois países. Mais, mobilizou o comando antiterroristas que matou Bin Laden no sentido de repetir a façanha com os dois dirigentes deste continente.

Evidentemente, tal atitude gera reações. Reservistas estão sendo convocados e exercícios militares são diuturnos no litoral da nossa vizinha Venezuela.

O presidente colombiano também se manifesta. Diz jamais ficar de joelhos. Reafirma a posição contra narcotraficantes. Afirma que se está criando uma guerra para desestabilizar a região e, assim, como afirma também Maduro, se apoderarem das reservas minerais, inclusive do petróleo, na região.

Não tenho nenhuma simpatia por Maduro e suas atitudes antidemocráticas. Mas, impossível aceitar que uma superpotência utilize sua força como mecanismo de impor um projeto personalista de dominação.

O mundo não é e nem deve ser propriedade de uma nação. Criar guerras é uma temeridade que pode custar milhões de vida, simplesmente por um capricho de querer delimitar um continente como sendo seu.  Um senhor, Falso Imperador, que diz querer ser Prêmio Nobel da Paz contradiz a lógica, o bom senso.

Dia 27, os Presidentes do Brasil e dos Estados Unidos se reúnem. Muita mídia, assunto esperado e desejado por quase todos. A pauta é basicamente econômica. Esperemos que venham os resultados.

 O que causa estranheza, pelo menos no que foi veiculado na imprensa, é que os temas Soberania e Autodeterminação dos Povos aparecem marginalmente. Num momento em que mais do que ameaças existem, em que há o risco concreto de intervenção militar nos países que são nossos vizinhos. Algo que mexe profundamente com a geopolítica da região e pode desestabilizá-la, pior, entrar numa guerra cruel e devastadora, talvez sem controle. O máximo que se fala é que o Brasil se dispõe a mediar a crise no norte do continente. Por que não exigir que seja evitada e interrompida? Por que não pedir aos americanos respeito às soberanias nacionais?

Parece que a preocupação única é melhorar nossas relações comerciais, conseguir mercados, mesmo que com o tarifaço já tenhamos provado que o Brasil pode entrar em novas áreas comerciais, que os impactos foram bem menores dos que os anunciados.

Antes que o porta-aviões chegue, bom refletirmos qual deve ser nossa postura frente às crises internacionais, qual o respeito que teremos se continuarmos declarando que somos o país líder na América do Sul, mas nos abstermos de uma posição firme frente ao todo poderoso Senhor das Bravatas, que anuncia invasão sem argumentos sólidos, que desrespeita os povos e sua autodeterminação.

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Leia também: “Catabil sobre o Índico” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniao_13.html 

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