03 agosto 2016

Poesia de resistência

Quem é essa vida?
Waldir Pedrosa Amorim*
“Escrevi Ensaio sobre a cegueira para recordar a quem o leria que usamos perversamente a razão quando humilhamos a vida, que a dignidade do ser humano é insultada todos os dias pelos poderosos de nosso mundo, que a mentira universal ocupa o lugar das verdades plurais, que o homem deixou de respeitar-se a si mesmo quando perdeu o respeito a seu semelhante.” (José Saramago)
Quem é essa brasileira,
vida que passa
amarrotando ilusões,
macerando ideais,
desdizendo conquistas,
menosprezando o suor dos lenços e sudários,
renascendo pretéritos caducos,
revogando manhãs,
salgando a inteligência,
retorcendo:
preceitos
legados
ao tilintar dos níqueis.

Conciliábuloherético - retórico
cerzido por hienasávidas,
entreguista horda
sem escrúpulo moral.
Traição vociferada
às escâncaras
maquiadas em camarins
de comunicação monocórdica
pelos poderosos.
Cérebros encharcados de formol,
furiosos por poder.

Render as gentes,
rebaixar um país e um continente,
à miserável
liturgia cabisbaixa
de mãos pedintes;
olhos sem brilho e altivez
deslocados do horizonte
de mirar os seus de frente.

Quem produz riqueza?
serão sempre os homens que trabalham.
Quem sempre não as usufrui em plenitude e proporcionalidade?
os homens que trabalham dignamente.

Quem os que crescem como excluídos?
os homens invisíveis, da mata, das ribanceiras, do campo e das cidades,
cognominados minorias, de toda sorte.
enxotados,
perseguidos,
discriminados,
amorfos, descarnados e desalmados,
ao olhar das políticas e das justiças,
sem teto, sem terra, sem escola, sem saúde, sem educação ou socorro;
os que são insultados pelos poderosos, diuturnamente, há séculos.

Vivos por vária mínima  resistência,
transfiguram-se em morte matada,
organizados, são flechas atentatórias,
quiçá, comunistas, terroristas,
ante o terror todo poderoso
dos que herdaram, de um Deus branco e escravocrata,
a posse da terra, dos rios, matas e mares.

Viventes nas favelas, morros, periferias,
são abcessos, da carne das urbes,
incrustados na cidade grande,
a vomitá-los com polícias que lhes pertencem.

Armados, são cancro,
aprisionados são metástase,
Imbatíveis ou lúdicos,
financiam o tráfico,
do traficante imune político,
que podem eleger,
e de quem partilham o idioma,
fluente e não conflitante,
embora aparentem
ser uma torre de Babel.

Políticas indecentes, homens espúrios, cafajestes,
ao bel individualismo,
tratam a Constituição e as leis
e lambuzam o judiciário,
como comensais do capital
interno e forâneo.

Pesos e medidas
são imponderáveis na balança de vácuo,
e, imprevisíveis na venda esburacada
que,mimetiza a conformidade absoluta,
irretocável, irretorquível da Justiça.

E sem justiça,
matam, como mataram o Deus.

As divindades, incluindo Lúcifer,
se esvaem em sangue,
são o nada,
na pátria mãe dos que a golpeiam,
com a arma branca das mirabolâncias.

Surpreendente,
ou, comezinho?
O capital rentista e sua lógica.
A imensidão de recursos extrativistas.
A vastidão territorial, a bacia hidrográfica, a flora e fauna.
A reserva petrolífera.
Sempre aguçaram olhares do mundo.

Os entreguistas de plantão, negociam com isso,
em proveito próprio e antinacional.
O golpe em curso, apenas por isso,
já tornar-se-ia razão de resistência.

Contudo, seu fundamento e pedra angular
mora aonde moram,
o início dos golpes que sofremos:
A redução das desigualdades sociais,
o soerguimento de direitos humanos,
a maior democratização do saber, a maior redistribuição da renda,
a redução da extrema miséria, a melhoria da saúde, moradia para os pobres...

Esta é uma fórmula
que fatalmente torna os brasileiros, mais brasileiros;
nos unifica e aos países latino-americanos
nos torna menos desumanos, mais patriotas e confiantes.
Menos indefesos aos ataques dos que nos saquearam, desde a monarquia.

E retorno a Saramago:
“...usamos perversamente a razão quando humilhamos a vida,
que a dignidade do ser humano é insultada todos os dias pelos poderosos de nosso mundo, que a mentira universal ocupa o lugar das verdades plurais,
que o homem deixou de respeitar-se a si mesmo
quando perdeu o respeito a seu semelhante.”

Éticas
de lata
impigens
gangrenas
delinquentes de  casimira
punhos de renda e traça
cabeças pesadas
farsas
nulidades morais
torniquetes da história.
Quem é essa vida que passa,
com velhacos apátridas
demolidores perversos do Brasil.

*Médico, Poeta, Escritor, Professor Adjunto da UFPB.
João Pessoa 31/07/2016


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