Embriagados, mas nem tanto
Luciano Siqueira
- É isso, doutor. O Zé é um cara incrível. Jamais bebeu uma gota sequer de álcool.
- Nem para experimentar?
- Nada, nada. Abstêmio por princípio. Nunca provou o gosto da cachaça, da cerveja, do vinho, do uísque, nada mesmo.
- É do Zé, aquele nosso Zé de que você está falando?
- Ele mesmo. Não precisa beber, vive embriagado pela própria vaidade.
O comentário maledicente, que anotei quando ainda concluinte do curso médico estagiando no antigo Hospital Pedro II, traduzia a ciumeira de um bedel visivelmente interessado em contaminar minha confiança no colega de trabalho. Perda de tempo. Pois se o cara é trabalhador e eficiente, até o excesso de vaidade – essa praga que estraga talentos e rebaixa a competência de muita gente boa – perdôo. Demais, a ciumeira entre os dois funcionários era pura bobagem: o “doutor”, no caso eu mesmo, sempre me esforcei por tratar a todos com igual atenção.
Mas o tema é sempre atual. Permeia todas as esferas da vida, retratado no cinema (lembro de uma produção hollywoodiana “A embriaguês do sucesso”, estrelada por Burt Lancaster) e na trama de romances, contos, novelas e até em folhetos de cordel. A vaidade embriaga – e como toda embriaguês, aparentemente liberta, mas na verdade limita a expressão do que há de melhor na condição humana.
Na política a vaidade também faz seus estragos. Se o vaidoso não se contém, acaba submetendo o interesse comum a conveniências meramente pessoais e põe tudo a perder. Esse filme já vi muitas vezes. Assim como já vi a sábia modéstia remover obstáculos aparentemente instransponível e fazer vingar soluções de altíssimo nível na unificação de vontades dispares em torno de um projeto político comum.
Por isso lembro o bedel do Pedro II quando se precipitam no horizonte as primeiras démarches em relação ao pleito municipal de 2012. Que alguns se deixem embriagar é ate tolerável – é humano. Mas nem tanto, para que possamos encontrar as melhores soluções e, no plano local, seguir adiante nas transformações em curso no País.
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