A reforma política de cabeça para baixo
Luciano Siqueira
Publicado no Blog da Folha
Nem de cabeça para baixo está, se olharmos o que se passa no Congresso Nacional. Encontra-se embaralhada, sob a mescla de propostas surgidas nas Comissões Especiais constituídas no Senado e na Câmara.
Aliás, quando retomei a minha militância legal, após a prisão sob o regime militar, e me inseri no velho MDB, causou-me espécie a atitude do então presidente Ulysses Guimarães, numa convenção nacional, em Brasília, considerar aprovadas proposições de sentido oposto “pela manifestação espontânea do plenário” e determinar, ali mesmo, a criação de comissões para encaminhá-las. A deputada Cristina Tavares logo me explicou: “O doutor Ulysses é assim, muito hábil. Quando vê que a coisa não é pra valer, cria logo uma comissão...”.
Pois bem. A atual versão da tentativa de realizar a reforma política começou, ao modo de Ulysses, por duas comissões, uma na Câmara e outra no Senado. E, sem desrespeitar o empenho de muitos, tudo levava a crer que não seria para valer. A do Senado, formada por “notáveis”, aparentemente ágil, logo aprovou propostas de mudança na legislação eleitoral. A da Câmara, imensa, com representantes de quase todos os partidos, senão de todos, adotou cronograma tão extenso que dificilmente deixaria de entrar na zona de limitação temporal determinada pela legislação – ou seja, o prazo constitucional para que se mudem as regras antes do próximo pleito.
Mas, se no Congresso as coisas continuam embaralhadas, uma espécie de babel bem distante dos consensos imprescindíveis para que a matéria seja levada a termo, na chamada sociedade civil, entre a indiferença da maioria e a atenção de muitos poucos, reinam ideias confusas e contraditórias. A reforma, pelo que se debate por aí, permanece de cabeça para baixo.
Exemplo: o financiamento público de campanha não seria solução porque imperam as relações promíscuas entre eleitos e financiadores de candidaturas. Ora, deveria ser o contrário: adotar-se-ia o financiamento público justamente para cortar pela raiz essa promiscuidade, dando aos pleitos um mínimo de lisura e certa paridade competitiva entre os partidos.
Outro exemplo: como adotar listas pré-definidas pelos partidos para as disputas parlamentares se são frágeis os partidos e muitos deles cartoriais? Também aí as coisas se invertem no raciocínio simplista e conservador, pois justo o voto em lista levaria o eleitor a considerar os programas partidários e os candidatos instados a defende-los – e, por conseguinte, haveria a valorização do elemento partido, ao invés da atual personalização individualista do voto.
Nesse cenário, aos que desejam sinceramente uma reforma política democratizante cabe persistir na tentativa de tornar o tema bandeira de luta da sociedade, de modo a conquistar posição de destaque nas plataformas eleitorais e na ordem do dia do Congresso. Sem a pressão da sociedade, a reforma política seguirá sua sina – embaralhada e vítima de argumentos que invertem a relação de causa e efeito.
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