08 janeiro 2013

Uma questão nodal na economia

No boletim Opinião Econômica, da Ceplan:
Da política de combate à pobreza à política de estruturação do mercado de trabalho
Leonardo Guimarães Neto



As análises, avaliações e discussões sobre a política social no Brasil das últimas décadas não enfatizaram as mudanças ocorridas entre a década que antecedeu o início do século XXI e a década de 2000-2010. Essas duas décadas antes assinaladas, não só foram diferentes da perspectiva da trajetória da economia e do mercado de trabalho, como do ponto de vista das propostas de políticas sociais, embora não se possa negar, em alguns aspectos dessas propostas, a existência de continuidade.

 A economia e o mercado de trabalho brasileiros nos anos 90 do século passado caracterizam-se (i) pela a reduzida taxa de crescimento da atividade produtiva, (ii) pela vulnerabilidade do país relativamente às flutuações da economia mundial, (iii) pela desestruturação das relações de trabalho que se traduziu em vários aspetos: altas taxas de desemprego, precarização das relações de trabalho e estagnação e declínio do rendimento das pessoas ocupadas; e (iv) pelo aumento da pobreza e da desigualdade social. No decorrer da primeira década do século XXI ocorreram mudanças relevantes nesses aspectos, notadamente a partir da segunda metade da década. A economia não obstante a crise financeira mundial e seu impacto em praticamente todas as economias, inclusive a brasileira registrou (i) taxas razoáveis de crescimento; (ii) ocorreu uma redução da pobreza e uma melhoria da distribuição de renda, (iii) o mercado de trabalho apresentou um grande dinamismo que se expressou em redução significativa das taxas de desemprego, em um intenso processo de formalização e em recuperação relevante do rendimento do trabalho, motivado inclusive pela aumento significativo do salário mínimo.

No que se refere à última década do século passado, o que se pode assinalar é que num contexto de aumento relativo da pobreza, associado ao aumento do desemprego e da informalidade e às intensas pressões inflacionárias que somente foram reduzidas ou contornadas com as medidas adotadas pelo Plano Real, em 1993 e 1994, a política social ficou centrada no combate à pobreza, a partir de ações voltadas, sobretudo, para a transferência de renda. De fato, em um ambiente econômico como o dos anos 90 em que prevaleciam a proposta do estado mínimo, de ausência de regulação nos mercados e a crença de que melhor seria não interferir na vida econômica, caberia atuar nos efeitos negativos do referido contexto, com foco no aumento da renda, através de transferências diretas, da população considerada em situação de pobreza extrema. Essa política contou com o apoio não só das instituições nacionais, entre elas o Legislativo, onde as discussões começaram, mas, igualmente, com o suporte de entidades internacionais como o Banco Mundial.

Iniciada timidamente nos anos 90 do século XX, tal política é reforçada na década seguinte, alcançando, segundo alguns relatos, mais de uma dezena de milhões de beneficiários.  Não obstante o sucesso e a repercussão internacional do programa, ganha importância, entre 2000 e 2010, notadamente na segunda metade da década, um conjunto de ações e medidas voltadas para o mercado de trabalho. A rigor, uma medida relevante, a recuperação do valor do salário mínimo, teve início no final do século passado, a partir de segunda metade dos anos 90, após o Plano Real, e foi continuada e reforçada na década seguinte. Este fato, aliado ao crescimento da economia e à recuperação dos investimentos e do emprego na segunda metade da década (2000-2010), possibilitou um amplo processo de inclusão social. Tais processos foram complementados com medidas adicionais, como as mudanças na legislação que facilitaram o surgimento, funcionamento e a formalização dos pequenos e médios estabelecimentos, ao lado da ampliação da fiscalização das relações de trabalho que reduziu o grau de informalização do mercado de trabalho. De fato o que ocorreu foi o oposto do que foi constatado nas décadas anteriores (80 e 90): um processo de reestruturação do mercado de trabalho.

Duas considerações finais devem ser feitas às políticas anteriormente referidas. Uma primeira diz respeito ao fato de que embora relevantes, no sentido de terem contribuído para o processo de inclusão social, tais políticas são parciais e devem ser complementadas por políticas substanciais voltadas para a disseminação e melhoria da qualidade dos programas de educação e saúde, que constituem há décadas o calcanhar de Aquiles do desenvolvimento social do país. Sem isto e sem o acesso à moradia decente e ao saneamento básico a inclusão social ocorrida continua parcial, insustentável e extremamente dependente dos humores das políticas econômicas. Uma segunda observação refere-se à ausência de uma estratégia de desenvolvimento capaz de substituir as políticas episódicas, casuais, descontínuas e desarticuladas que caracterizam os diferentes governos nas décadas referidas, todos eles incapazes de conceber e por em prática  um projeto consistente, articulado e duradouro para o Brasil.

O que a sociedade brasileira espera da Esplanada dos Ministérios é que, em algum momento da década atual, consiga atuar de forma integrada e coordenada a partir de um projeto nacional de desenvolvimento. Superando a sua prática míope das décadas passadas, nas quais o horizonte temporal de sua atuação não passava do curto prazo, e seus objetivos se centravam no bom desempenho dos ministros candidatos e do presidente de plantão na eleição mais próxima.

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