Da política de combate à pobreza à política de estruturação do mercado de trabalho
Leonardo Guimarães Neto
As análises,
avaliações e discussões sobre a política social no Brasil das últimas décadas
não enfatizaram as mudanças ocorridas entre a década que antecedeu o início do
século XXI e a década de 2000-2010. Essas duas décadas antes assinaladas, não
só foram diferentes da perspectiva da trajetória da economia e do mercado de
trabalho, como do ponto de vista das propostas de políticas sociais, embora não
se possa negar, em alguns aspectos dessas propostas, a existência de
continuidade.
A
economia e o mercado de trabalho brasileiros nos anos 90 do século passado
caracterizam-se (i) pela a reduzida taxa de crescimento da atividade produtiva,
(ii) pela vulnerabilidade do país relativamente às flutuações da economia
mundial, (iii) pela desestruturação das relações de trabalho que se traduziu em
vários aspetos: altas taxas de desemprego, precarização das relações de
trabalho e estagnação e declínio do rendimento das pessoas ocupadas; e (iv)
pelo aumento da pobreza e da desigualdade social. No decorrer da primeira
década do século XXI ocorreram mudanças relevantes nesses aspectos, notadamente
a partir da segunda metade da década. A economia não obstante a crise financeira mundial e seu impacto em praticamente
todas as economias, inclusive a brasileira registrou (i) taxas razoáveis de
crescimento; (ii) ocorreu uma redução da pobreza e uma melhoria da distribuição
de renda, (iii) o mercado de trabalho apresentou um grande dinamismo que se
expressou em redução significativa das taxas de desemprego, em um intenso
processo de formalização e em recuperação relevante do rendimento do trabalho,
motivado inclusive pela aumento significativo do salário mínimo.
No que se
refere à última década do século passado, o que se pode assinalar é que num
contexto de aumento relativo da pobreza, associado ao aumento do desemprego e
da informalidade e às intensas pressões inflacionárias que somente foram
reduzidas ou contornadas com as medidas adotadas pelo Plano Real, em 1993 e
1994, a política social ficou centrada no combate à pobreza, a partir de ações
voltadas, sobretudo, para a transferência de renda. De fato, em um ambiente
econômico como o dos anos 90 em que prevaleciam a proposta do estado mínimo, de
ausência de regulação nos mercados e a crença de que melhor seria não
interferir na vida econômica, caberia atuar nos efeitos negativos do referido
contexto, com foco no aumento da renda, através de transferências diretas, da
população considerada em situação de pobreza extrema. Essa política contou com
o apoio não só das instituições nacionais, entre elas o Legislativo, onde as
discussões começaram, mas, igualmente, com o suporte de entidades
internacionais como o Banco Mundial.
Iniciada
timidamente nos anos 90 do século XX, tal política é reforçada na década
seguinte, alcançando, segundo alguns relatos, mais de uma dezena de milhões de
beneficiários. Não obstante o sucesso e a repercussão internacional do
programa, ganha importância, entre 2000 e 2010, notadamente na segunda metade
da década, um conjunto de ações e medidas voltadas para o mercado de trabalho.
A rigor, uma medida relevante, a recuperação do valor do salário mínimo, teve
início no final do século passado, a partir de segunda metade dos anos 90, após
o Plano Real, e foi continuada e reforçada na década seguinte. Este fato, aliado
ao crescimento da economia e à recuperação dos investimentos e do emprego na
segunda metade da década (2000-2010), possibilitou um amplo processo de
inclusão social. Tais processos foram complementados com medidas adicionais,
como as mudanças na legislação que facilitaram o surgimento, funcionamento e a
formalização dos pequenos e médios estabelecimentos, ao lado da ampliação da
fiscalização das relações de trabalho que reduziu o grau de informalização do
mercado de trabalho. De fato o que ocorreu foi o oposto do que foi constatado
nas décadas anteriores (80 e 90): um processo de reestruturação do mercado de
trabalho.
Duas
considerações finais devem ser feitas às políticas anteriormente referidas. Uma
primeira diz respeito ao fato de que embora relevantes, no sentido de terem
contribuído para o processo de inclusão social, tais políticas são parciais e
devem ser complementadas por políticas substanciais voltadas para a
disseminação e melhoria da qualidade dos programas de educação e saúde, que
constituem há décadas o calcanhar de Aquiles do desenvolvimento social do país.
Sem isto e sem o acesso à moradia decente e ao saneamento básico a inclusão
social ocorrida continua parcial, insustentável e extremamente dependente dos
humores das políticas econômicas. Uma segunda observação refere-se à ausência
de uma estratégia de desenvolvimento capaz de substituir as políticas
episódicas, casuais, descontínuas e desarticuladas que caracterizam os
diferentes governos nas décadas referidas, todos eles incapazes de conceber e
por em prática um projeto consistente, articulado e duradouro para o
Brasil.
O que a
sociedade brasileira espera da Esplanada dos Ministérios é que, em algum
momento da década atual, consiga atuar de forma integrada e coordenada a partir
de um projeto nacional de desenvolvimento. Superando a sua prática míope das
décadas passadas, nas quais o horizonte temporal de sua atuação não passava do
curto prazo, e seus objetivos se centravam no bom desempenho dos ministros
candidatos e do presidente de plantão na eleição mais próxima.
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