Luciano Siqueira
Havia pedido uma audiência ao
“Exmo. Sr. Vice-Prefeito” – as palavras pronunciadas assim, entre aspas e com
toda a formalidade -, anunciando apenas que o tema seria de “alta relevância
para a comunidade”, sem entretanto declinar os detalhes.
Umas três semanas após nossa
breve conversa ao telefone, o atendi em meu gabinete. Já nem me lembrava de
quem se tratava. Nem do assunto. Apenas o nome, anunciado pela secretária, pouco
comum (que não declinaremos aqui, para não fazer dessa crônica um ato de
imperdoável indiscrição), nos fez recordar a voz e os termos alegóricos com que
se expressa.
E bote alegoria nisso. Moreno
claro, cabelos grisalhos, magro e ligeiramente alquebrado em seus talvez
setenta anos, porém de olhar firme e gestos largos. O terno preto e a pasta
tipo 007 também preta, ambos surrados, sugeriam um aposentado de poucas posses.
E assim tivemos o que ele
chamou de “colóquio” entre um “ínclito homem público” (esse amigo de vocês) e
um “emérito assessor informal de diversas entidades e instituições de utilidade
pública”, ele próprio, assim auto-apresentado.
Tinha queixas a fazer. Quase
todas procedentes: de vendedores ambulantes ocupantes de calçadas no centro da
cidade, a impedir o livre deslocamento dos transeuntes; a sujeira do canal
Farias Neves, no Arruda, que a Prefeitura limpa mas o povo cuida de novamente
encher de lixo; da irregularidade das aulas de uma professora de matemática
numa escola (esta estadual) do bairro; da má qualidade do transporte coletivo em
algumas áreas... e assim por diante. Uma lista alentada. E para cada problema,
organizados em pastas cópias de memorandos, ofícios, apelos; e de respostas,
poucas, aos expedientes que havia enviado aos órgãos públicos.
Documentos à mão, ao final da
“sustentação oral” de cada um dos seus reclamos e das suas propostas:
- “E em assim sendo, diante
de tais fatos sobejamente comprovados e devidamente documentados, como V. Exa.
pode constatar, aqui me encontro para reiterar este pleito ao qual aduzo a
minha palavra de honra.”
- Sim, amigo, compreendi.
Mas, veja, alguns dos problemas que o senhor me apresenta carecem de um exame
mais atento e de providências que prometo tomar, juntamente com o nosso
prefeito, junto à Secretaria da área.
- “Acredito e confio, porém
quero aduzir, com a devida vênia de V. Exa., que será da maior importância para
o bom termo dessas providências, que esse “emérito assessor informal” tenha o
ensejo de fazer a mesma sustentação oral que acabo de proferir.”
- Seus argumentos são válidos
(e eram mesmo, apenas empolados em demasia), mas não é necessário uma audiência
para cada um desses problemas. Podemos agir com rapidez e garanto que o senhor
será informado de tudo e em tempo hábil.
- “Isto posto e diante da
ponderação de V. Exa., resta-me aceitar que assim seja, mas permita sugerir que
as informações emanadas dos órgão municipais me sejam comunicadas por escrito,
para que possa arquivar a documentação correspondente.”
A essa altura cabia encerrar a
conversa e escalar um integrante de nossa equipe para lidar com tão ilustre
cidadão no desdobramento das providências que passei adotar. Para a tranquilidade
do “emérito assessor informal”.
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