03 março 2013

Uma crônica minha para relaxar

“Data vênia, palavra de honra”
Luciano Siqueira
 
Havia pedido uma audiência ao “Exmo. Sr. Vice-Prefeito” – as palavras pronunciadas assim, entre aspas e com toda a formalidade -, anunciando apenas que o tema seria de “alta relevância para a comunidade”, sem entretanto declinar os detalhes.

Umas três semanas após nossa breve conversa ao telefone, o atendi em meu gabinete. Já nem me lembrava de quem se tratava. Nem do assunto. Apenas o nome, anunciado pela secretária, pouco comum (que não declinaremos aqui, para não fazer dessa crônica um ato de imperdoável indiscrição), nos fez recordar a voz e os termos alegóricos com que se expressa.

E bote alegoria nisso. Moreno claro, cabelos grisalhos, magro e ligeiramente alquebrado em seus talvez setenta anos, porém de olhar firme e gestos largos. O terno preto e a pasta tipo 007 também preta, ambos surrados, sugeriam um aposentado de poucas posses.

E assim tivemos o que ele chamou de “colóquio” entre um “ínclito homem público” (esse amigo de vocês) e um “emérito assessor informal de diversas entidades e instituições de utilidade pública”, ele próprio, assim auto-apresentado.

Tinha queixas a fazer. Quase todas procedentes: de vendedores ambulantes ocupantes de calçadas no centro da cidade, a impedir o livre deslocamento dos transeuntes; a sujeira do canal Farias Neves, no Arruda, que a Prefeitura limpa mas o povo cuida de novamente encher de lixo; da irregularidade das aulas de uma professora de matemática numa escola (esta estadual) do bairro; da má qualidade do transporte coletivo em algumas áreas... e assim por diante. Uma lista alentada. E para cada problema, organizados em pastas cópias de memorandos, ofícios, apelos; e de respostas, poucas, aos expedientes que havia enviado aos órgãos públicos.

Documentos à mão, ao final da “sustentação oral” de cada um dos seus reclamos e das suas propostas:

- “E em assim sendo, diante de tais fatos sobejamente comprovados e devidamente documentados, como V. Exa. pode constatar, aqui me encontro para reiterar este pleito ao qual aduzo a minha palavra de honra.”

- Sim, amigo, compreendi. Mas, veja, alguns dos problemas que o senhor me apresenta carecem de um exame mais atento e de providências que prometo tomar, juntamente com o nosso prefeito, junto à Secretaria da área.

- “Acredito e confio, porém quero aduzir, com a devida vênia de V. Exa., que será da maior importância para o bom termo dessas providências, que esse “emérito assessor informal” tenha o ensejo de fazer a mesma sustentação oral que acabo de proferir.”

- Seus argumentos são válidos (e eram mesmo, apenas empolados em demasia), mas não é necessário uma audiência para cada um desses problemas. Podemos agir com rapidez e garanto que o senhor será informado de tudo e em tempo hábil.

- “Isto posto e diante da ponderação de V. Exa., resta-me aceitar que assim seja, mas permita sugerir que as informações emanadas dos órgão municipais me sejam comunicadas por escrito, para que possa arquivar a documentação correspondente.”

A essa altura cabia encerrar a conversa e escalar um integrante de nossa equipe para lidar com tão ilustre cidadão no desdobramento das providências que passei adotar. Para a tranquilidade do “emérito assessor informal”.   

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