14 janeiro 2014

Ano eleitoral


A Copa e a eleição presidencial: as vãs apostas conservadoras

Por José Carlos Ruy*


Neste ano ocorrerão dois grandes eventos no Brasil. O primeiro será esportivo: a Copa do Mundo de futebol, entre 12 de junho e 13 de julho. O outro será a eleição presidencial (além de deputados federais e estaduais, senadores e governadores), que ocorrerá em 5 de outubro.

Embora sejam eventos de natureza diferentes (um esportivo, outro político), eles estão intimamente ligados, articulação que aparece sobretudo no noticiário conservador dos jornais onde, desde o início do ano, acumulam-se as críticas contra a Copa, que se repetem desde seu anúncio, em 2007. E, no ano da Copa, se avolumam.

Logo nos primeiros dias do ano a Fifa voltou ao ataque pela voz de seus principais dirigentes. O presidente Joseph Blatter disse que as obras e os preparativos de infraestrutura estão atrasados (embora tenha reconsiderado isso em sua página no Twitter, onde reconheceu que os preparativos estão "a todo vapor" e que esta é a "Copa das Copas"). O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, por sua vez, criou novo mal-estar com as autoridades brasileiras dizendo que o distanciamento entre elas e a Fifa é cada vez maior e que em relação às obras, não poderá haver um período de testes.

Há a suspeita, veiculada por analistas do jornal Valor Econômico, de que, no ano da Copa, a Fifa queira se desvincular de eventuais problemas que apareçam (por exemplo, protestos de rua promovidos por black-blocs), jogando sobre o governo a culpa por eles.

É uma hipótese. A mais provável, entretanto, é que a Fifa faça sua parte no conluio conservador. Cujo maior representante no Brasil é a aliança tucano-neoliberal. Conluio que não engole as mudanças que, embora ainda iniciais, a série de governos democrático-populares iniciada com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, está promovendo.

Soccernomics - Outro ataque que tem parecido na arena internacional foi o livro Soccernomics (Economia do futebol, ao pé da letra), dos ingleses Simon Kuper (jornalista) e Stefan Szymanski (economista), que contestam qualquer correlação entre economia e futebol e negam que possa haver crescimento ou desenvolvimento em consequência da Copa. "A ideia de que a Copa vai impulsionar a economia é um mito", disse o jornalista. E no mesmo tom dos conservadores brasileiros, rejeita qualquer legado econômico da Copa. “Se você quer impulsionar a economia com o dinheiro do povo, que paga impostos, é melhor investir em escolas e hospitais", disse.

Os autores revelam um aberto desconhecimento da relação entre investimentos em saúde e educação e sua correlação com os gastos do governo com a Copa do Mundo. Desde 2007 o investimento federal em saúde e educação foi de 758,6 bilhões de reais; na construção de estádios, para a Copa de 2014, foi de 7 bilhões (menos de 1% daquele total) nesse período; deste total, 3,7 bilhões são empréstimos do BNDES, a serem pagos de acordo com as regras do banco.

A comparação seria mais aceitável se os autores do livro cotejassem os gastos em saúde e educação com os juros pagos pelo governo à especulação financeira – apenas em 2010, eles abocanharam 45% do total do orçamento da União, representando a soma gigantesca de 2,2 trilhões de reais, num padrão de exploração que se repete nos orçamentos da União e revelam a forte presença e poder da especulação financeira que arrebata, ano após ano, cerca de três vezes o valor dos recursos orçamentários destinados à saúde e à educação públicas.

Orgulho nacional - O pessimismo da Fifa, de setores da mídia golpista e dos setores conservadores brasileiros (e, como se vê, estrangeiros) não corresponde à visão das autoridades brasileiras. O ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), apoia-se em pesquisa feita pela Ernst&Young para falar na grande oportunidade que a Copa representa para o Brasil em termos de crescimento econômico. O país, disse, vai “acelerar investimentos em infraestrutura e qualificação de mão-de-obra”. Além disso, a Copa movimentará 142,4 bilhões de reais adicionais entre 2010 e 2014, criará 3,63 milhões de empregos, e atrairá cerca de 600 mil turistas estrangeiros.

O governo brasileiro não está sozinho nessa avaliação. Pesquisa recente feita pelo Instituto Análise (referida em matéria publicada no jornal Valor Econômico pelo sociólogo Alberto Carlos Almeida, diretor daquele Instituto) a Copa aumenta o orgulho de ser brasileiro de 70% dos entrevistados, e diminui apenas o de 14% pessimistas (e conservadores...). A Fifa e a mídia conservadora brasileira talvez não percebam essa realidade com a qual batem de frente.

Aliás, quase metade dos entrevistados (48%) acham que o Brasil deve dar uma banana para a Fifa e fazer uma Copa do Mundo com características nacionais. Esta não é uma boa notícia para Blatter e Cia! Somente 26% acham que o Brasil deve se submeter às exigências da Fifa já que o país assinou um contrato com a entidade.

Além do mais, diz aquele analista, a Fifa deveria antes reconhecer o amplo sucesso das vendas de ingressos para a Copa do Mundo no Brasil, o maior desde quando Blatter está na presidência da entidade. “Seria melhor se reconhecesse que essa enorme demanda por ingressos é um indicador antecedente de que a demanda será grande por tudo que se refere à Copa”, diz Alberto Carlos Almeida.

Mais ainda: em relação ao ponto específico das críticas, a construção dos estádios: 63% dos entrevistados pensa que eles serão motivo de orgulho para os brasileiros, por sua beleza e qualidade, e número idêntico (64%) pensam que eles trarão investimentos e desenvolvimento econômico para suas regiões e cidades. Os mesmos 64% concordam que os estádios facilitarão a realização de eventos de entretenimento ou cultos religiosos; outros (66%) acham que vão atrair jogos de times de outros Estados; outros (58%) acham ainda que vão “ajudar a mudar o público que vai aos jogos de futebol, atraindo mais famílias, mulheres e crianças”.

Copa e crescimento econômico - São análises desse tipo, na contramão da corrente principal do noticiário da mídia conservadora, que permitem ao ministro Aldo Rebelo escrever que “A Copa, e a capilarização de efeitos sociais e econômicos que injeta na sociedade brasileira, consolida-se como uma usina geradora de equipamentos públicos, bens e serviços para usufruto da população”. Como fez no último artigo que publicou, em 2013, no jornal Diário de S. Paulo (sob o título O ano da semente, no dia 28 de dezembro). A tarefa adicional para 2014, disse ele, “será a superação das incompreensões e a fixação no público da verdade meridiana de que a Copa e as Olimpíadas são boas para o Brasil. São investimentos antes de gastos a fundo perdido. Geram negócios, empregos, impostos, renda, além de nos trazerem as duas grandes festas do esporte. Projetam o País e seu povo dinâmico. Se temos a certeza factual de que a 20ª Copa do Mundo será um sucesso, resta a se completar a esperança verde-amarela do hexacampeonato”.

Isto é, aqueles que torcem contra a Copa e contra o Brasil, na esperança de criar dificuldades eleitorais para a reeleição de Dilma Rousseff, estão em dificuldades. A Copa, em junho/julho, será um sucesso devido ao sentimento dos brasileiros. E em outubro o atual projeto político que controla a presidência vencerá novamente a eleição numa realidade desesperadora para a oposição conservadora brasileira. A Copa e as eleições estão mesmo ligadas, e não se pode dizer que tenha sido os progressistas e a esquerda que promoveram essa ligação: são os próprios conservadores que, no segundo semestre do ano, irão provar de seu próprio veneno.

*José Carlos Ruy é editor do Jornal A Classe Operária e membro do Comitê Central do PCdoB.

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