Picasso
Da utilidade de ser feio
Luciano
Siqueira, no Jornal da Besta Fubana
Li outro dia no site da Superinteressante: “Psicólogos
mostraram 200 imagens de rostos, alguns bonitos e outros feios, para um grupo
de 20 pessoas - que depois fizeram um teste de memória. Resultado: as faces
mais atraentes foram menos lembradas. A explicação é que a atração física
atrapalha os mecanismos cerebrais responsáveis pela memorização.”
Epa! Finalmente vejo que ser feio não é assim tão ruim.
Na verdade, nunca me incomodei por não ter sido
contemplado pela natureza com uma bela estampa.
Nos idos de meia oito, numa enquete que tinha muito
de brincadeira, mas também de verdade objetiva, companheiras do movimento
estudantil escolheram, dentre tantos que transitavam pela antiga Faculdade de
Filosofia de Pernambuco, à noite, o mais feio.
O amigo Alberto Vinícius, estudante de Engenharia,
alcançou o primeiro lugar no pódio.
Com muita honra, fiquei em segundo lugar,
representando os estudantes de Medicina.
Anos após, no térreo do Paço Alfândega se instalou
uma exposição fotográfica alusiva aos últimos anos da resistência democrática. Figurei
em três fotos, ao lado de Miguel Arraes, Marcos Freire, Jarbas Vasconcelos, Fernando
Lyra e outros – na linha de frente de uma passeata.
Uma funcionária da Prefeitura do Recife, num rasgo
de sinceridade, não se conteve:
- Dr. Luciano, via umas fotos ali no Paço... O
senhor era muito mais feio do que é hoje!
Ainda tentou consertar, mas a interrompi com um bem
humorado elogio à sua franqueza.
E assim venho trilhando meu caminho sem jamais me importar
com a aparência.
Até me apoio em Marx, que num trecho do tomo 2 do
segundo volume de O Capital, afirmou que se a aparência fosse igual à essência,
não haveria necessidade da ciência...
Desconfio de que no que tenho de essencial, simples
vivente que sou a conviver com milhares, não faço feio. As pessoas gostam – e dizem.
E compartilham a vida comigo numa boa.
Quem bem dialoga não presta tanta atenção à
aparência. Troca de impressões, descobertas mutuas, compreensão, solidariedade
e afeto brotam da alma, como ensinam os poetas.
Essa notícia acima referida, salvo engano está capitulada
entre as pesquisas consideradas inúteis, embora de referência pomposa: Effects of attractiveness on face memory
separated from distinctiveness. Holger Wiese e outros, Universidade de Jena
(Alemanha).
Cá com meus modestos botões,
não é tão inútil assim. Serve de alento a tantos como eu, ao revelar alguma
utilidade de ser feioso.
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