Nagib
Jorge Neto
Noite de ontem, dia 25 de maio, A
Assembléia Legislativa de Pernambuco festejou o centenário de nascimento do
advogado, promotor público, escritor e militante comunista Paulo de Figueiredo
Cavalcanti. A cerimônia foi proposta pelo Líder do Governo, deputado Valdemar
Borges, que louvou no ato a atuação de Paulo Cavalcanti na política, nas
letras, nas artes, na defesa de seus ideais socialistas e recordou as
perseguições e prisões que sofreu, num discurso feliz, objetivo, fiel à sua
vida e obra. Na mesma linha, o Governador do Estado, Paulo Câmara, lembrou sua condição
de humanista e sua participação na Frente Popular, que elegeu prefeito
Pelópidas da Silveira, depois Arraes prefeito e Governador do Estado.
No ato, sua filha Magnólia Cavalcanti,
comunicou que sua mãe, a viúva Ofélia Cavalcanti, foi anistiada por ato do
Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Ela exaltou o exemplo de vida do
pai, que morreu aos 80 anos, no Recife, e adiantou ter orgulho de sua luta, sua
história, sua coerência e convivência fraterna. Ao encerrar o ato, o Presidente
da Casa, Deputado Guilherme Uchoa, registrou a lembrança de Paulo Cavalcanti
como político e antes disso na infância, através do seu pai, que era amigo e
admirador do jovem promotor público e escritor Paulo Cavalcanti.
Daí encerrou o ato que contou com a
participação da viúva Ofélia Cavalcanti, do Prefeito do Recife, Geraldo Júlio, do
vice-prefeito Luciano Siqueira, do escritor Frederico Pernambucano de Melo, da
Academia Pernambucana de Letras, do Secretário de Estado Pedro Eurico,
ex-presidente da Assembléia, do Presidente da Companhia Editora de Pernambuco,
jornalista Ricardo Leitão, de Leda Alves, Presidente da Fundação de Cultura do
Recife, de Luciano Siqueira, vice-Prefeito do Recife, do ex-vereador Dílson
Peixoto, de Jurandir Bezerra, filho de Gregório Bezerra, de integrantes do
Ministério Público e de militantes do antigo PCB.
A cerimônia nos fez lembrar a
convivência de Paulo Cavalcanti, militante comunista e materialista, com Dom
Hélder Câmara, religioso, figura exemplar de sacerdote, que motivou um texto
nosso posto na internet e que transcrevo neste espaço alternativo, pois dá a
dimensão humana do homenageado pelo Legislativo.
DOM E SANTO
A cerimônia era síntese de reverência
e gratidão a Dom Hélder, Arcebispo de Olinda e Recife, então louvado como Dom
da Paz, do amor, da tolerância e da resistência. No ato – noite do dia 6 de
dezembro de 1989 - Dom Hélder tornou-se sócio da União Brasileira de
Escritores, Seção de Pernambuco, honrando a entidade por sua ação como
escritor, apóstolo, evangelizador, méritos evocados por Paulo Cavalcanti –
materialista e escritor – que destacou a condição de santo do sacerdote.
Na oração, que denominou “um incréu
saúda um santo” Paulo Cavalcanti foi pioneiro na sagração que a Igreja Católica
agora quer tornar concreta, com um processo na Santa Sé, pedindo sua
beatificação e canonização. O Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando
Saburido, recebeu autorização do Vaticano e a Arquidiocese cuida de reunir
dados, testemunhos, ou graça alcançada, exigências do processo.
Nesse aspecto, na UBE, Paulo
Cavalcanti lembrou as razões da amizade entre ambos desde 1930 quando viram as
contradições do integralismo, experiência da qual restou o compromisso com as
lutas de libertação, os ideais de liberdade e fraternidade. Assim, apesar das
divergências, os ideais permaneciam idênticos na opção pelos pobres, próximos
nas idéias e propostas para transformar o país.
Então exaltou com entusiasmo (em
grego, “ter os deuses dentro de si”) a evangelização, as ações no caminho da
bondade, da tolerância, do perdão, do respeito aos direitos humanos, do combate
à violência e a teoria e prática da não violência. Na ocasião fez referência às
“premissas materiais e espirituais da passagem de uma sociedade argentaria e
imediatista para uma sociedade comunitária e fraterna. Para Dom Hélder, isto é
desejo de Deus e de seus ensinamentos. Para nós, marxistas, é tarefa dos
homens.”
Na condição de ateu, marxista
convicto, sentenciou “Nessa contradição, tanto vale investir na prática
política e arregimentar as massas para assegurar os seus direitos essenciais,
como vale carregar nos ombros a cruz e os símbolos religiosos, desde que o
façamos com a confiança dos obstinados na crença de uma esperança que só poderá
ser conquistada pela força da consciência livre. Ou pela fé.”
Diante do humano, divino, louvou os
gestos e atos de Dom Hélder, a força de sua fé, crença, no embate em defesa dos
humildes, perseguidos, vítimas da repressão do regime ou da injustiça social.
Daí abordou os motivos da discórdia entre católicos e marxistas, lembrando que
Marx pretendeu sublinhar que a religião constitui o sonho da espécie humana
sofredora, o abrigo por ela construído contra as rudezas - e durezas - da
existência. O Homem cria, com o sentimento religioso, o seu porto seguro, o
sonho, a busca, o ideal de Deus, que tem de representar um compromisso com a
verdade, jamais a busca de um consolo. Porque, do contrário, a religião não
passaria, aí sim, de simples paliativo, no narcotráfico das consciências em
desalinho.”
Ao evocar a religião, a cruz, Paulo
deixou claro o testemunho de fé nas crenças, nas liberdades e direitos humanos,
pois era “um homem confessadamente materialista, mas também submisso ao dever
de respeitar as crenças alheias”. E tal como Dom Hélder, tinha um desígnio
comum: “cristãos e não cristãos são soldados das mesmas lutas, caminheiros das
mesmas jornadas, marinheiros das mesmas travessias”. De resto, artistas e
intelectuais, participantes do ato, louvaram aquele ato de sagração que Dom
Hélder recebeu com emoção e humildade.
*Título nosso