Direito na mão de quem tem direito
Carina Vitral, no Vermelho
"Você não sabia? A
meia é a nova inteira e a inteira é o novo dobro." Assim ocorre o diálogo
entre a atendente de um cinema e um espectador que tenta comprar um ingresso.
São dois personagens do vídeo "Meia", do grupo de humor Porta dos
Fundos, que revela a tragicomédia em que se transformou a meia-entrada nos
últimos 15 anos.
A enxurrada de falsas "carteirinhas" e de
falsos estudantes, a confusão de diferentes regras estaduais e municipais, o
sobrepreço e até subterfúgios como a "meia para todas as categorias"
pintam o quadro da desmoralização e banalização de um direito legítimo e
fundamental para os estudantes.
A UNE (União Nacional dos Estudantes) batalhou por
décadas pela criação dessa legislação e compreende que a cultura e o esporte
são instrumentos essenciais de complementação da formação educacional, do
desenvolvimento crítico e da cidadania da juventude.
Agora, o cenário começa a mudar com a aprovação e
regulamentação da lei federal nº 12.933/2013, que passará a valer a partir de
1º de dezembro de 2015. Pela primeira vez, a meia será regida por regras claras
em todo o território nacional.
A relação do movimento estudantil com a cultura tem
marcos importantes desde os anos 1960, com o CPC (Centro Popular de Cultura) e
o cinema novo. E se mantém até hoje, por meio da rede do Cuca (Circuito
Universitário de Cultura e Arte) e bienais da UNE.
A ditadura militar tirou direitos e colocou na
ilegalidade as entidades estudantis. Somente após a reorganização do movimento,
nos anos 1980, começaram a surgir as leis de retomada da meia-entrada.
Entretanto, a perseguição não aconteceu somente no
período ditatorial. Um grande retrocesso tomou a cena em 2001 com a medida
provisória 2.208, uma clara tentativa de atacar o movimento estudantil. A
medida permitiu a empresas e associações emitirem carteirinhas, alimentou uma
verdadeira máfia no setor, mercantilizou um direito e golpeou diretamente as
entidades representativas dos estudantes.
Produtores, artistas e estudantes passaram então a
discutir a elaboração de novas regras para combater a confusão e a falta de
credibilidade no direito à meia. Fruto desse movimento, a nova lei pactua uma
relação entre o setor cultural e a rede da economia da cultura.
Acabaram as falsas carteiras e os falsos
estudantes. Agora, haverá um padrão nacional definido pelas entidades
estudantis –UNE, UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e ANPG
(Associação Nacional dos Pós-Graduandos)–, o que facilitará a fiscalização. O
documento também será confeccionado pelas uniões estaduais e municipais,
centros acadêmicos, diretórios acadêmicos e diretórios centrais dos estudantes.
Acabou também o argumento de que os eventos são
caros por conta da confusão no acesso à meia. Estaremos vigilantes no
cumprimento da reserva de pelo menos 40% de ingressos de meia-entrada por
evento –antes a garantia era de 0%–, exigindo os relatórios que a própria lei
nos assegura supervisionar.
Portanto, os produtores culturais podem agora
diminuir o valor total dos ingressos, como já anunciaram alguns representantes
do setor que estimam redução de 20%. Lutaremos para que isso aconteça.
Dessa forma, a nova lei beneficiará a todos,
estudantes e não estudantes, e incentivará também a formação de público ao
promover nos mais jovens o interesse em frequentar espetáculos teatrais e de
música, cinemas e estádios.
Cabe agora ao poder público e à sociedade civil
fiscalizar o cumprimento da legislação em todo o país. Assim, ao retornar para
as mãos de quem tem direito, a meia voltará a ser meia de verdade.
CARINA VITRAL, 26, estudante de economia da PUC-SP,
é presidenta da UNE - União Nacional dos Estudantes
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