A reversão da crise está à vista
Luiz Carlos Bresser Pereira, na Folha de São Paulo
O ano de 2015 foi de crise; 2016
será a hora da reversão. A crise atual marca o fim do Ciclo Democracia e
Justiça Social, que, desde 1980, nos deu estabilidade política e uma razoável
diminuição das desigualdades econômicas. Foi um momento em que as classes
sociais se juntaram, em que pobres e ricos, democratas e liberais, se
associaram.
Esse quadro começou a mudar em
2013, quando a classe média tradicional, que deriva uma parte de seus
rendimentos dos juros, aluguéis e dividendos, viu os pobres melhorarem de vida
e os muito ricos se tornarem ainda mais ricos.
Sentindo-se esquecida, essa classe
média voltou-se para a direita. Ao mesmo tempo, os economistas liberais
colocavam em questão os avanços sociais da Constituição de 1988.
Nas grandes manifestações de junho de 2013, os
serviços de educação e saúde, que a classe média tradicional não usa, mas para
os quais paga impostos, foram temas centrais. No coração da crise, assim, não
está a luta dos trabalhadores para conquistar mais direitos, mas a de rentistas
e de seus economistas ortodoxos para reduzi-los.
Trata-se de uma luta reacionária,
que não oferece solução para os dois grandes problemas brasileiros: o da
retomada do crescimento e o da diminuição das desigualdades.
Diante da recessão, o que eu vi foi
uma comédia de erros. Os economistas liberais atribuíram a crise aos deficits
fiscais "estruturais", não obstante o grande desequilíbrio fiscal só
tenha ocorrido em 2014, e afirmaram que a Constituição de 1988 não cabe no PIB
brasileiro. O argumento é pura ideologia, a não ser no caso da Previdência
Social.
Os desenvolvimentistas opuseram-se
ao ajuste fiscal, que é necessário, e explicaram a recessão por esse ajuste, o
que faz pouco sentido, dado o mínimo ajustamento realizado. Estão certos,
porém, em criticar o aumento das taxas de juros em plena recessão para combater
uma inflação que é inercial e se acelerou por conta da correção de preços
administrados.
Todos ignoraram que o problema
fundamental da economia brasileira é o deficit em conta-corrente; o
correspondente câmbio apreciado só se torna competitivo nas crises.
É essa desvantagem competitiva que
vem causando desindustrialização e semiestagnação desde 1990. Além dela, a
brutal queda dos preços das commodities, a paralisação dos investimentos da
Petrobras e a perda de confiança explicam a recessão atual.
Mas não estou pessimista. O governo
reconheceu seus erros, e a confiança voltará, como já voltaram as oportunidades
de investimento. A previsão das consultorias econômicas –2,8% de queda do PIB
em 2016– ignora que o mercado promoveu o ajuste fundamental, o equilíbrio
competitivo que estimo ser R$ 3,80 por dólar.
Tanto assim que as boas notícias
começam a aparecer. O superavit comercial de 2015 "surpreendeu" por
ter sido elevado, e a participação dos manufaturados, 35,6% em 2014, subiu para
38,1% do total de exportações. As empresas industriais têm uma nova
oportunidade de crescer e não a perderão.
E depois da recessão? Podemos
pensar em um novo grande ciclo de desenvolvimento? Podemos reindustrializar e
crescer 3% ao ano per capita, no lugar do 1% a que estamos reduzidos desde
1990? Podemos, assim, pacificar o país?
Isso é possível, mas só se materializará
se o governo, além de fazer reformas, como a da Previdência, revelar-se capaz
de discutir com a sociedade uma nova política que mantenha a taxa de câmbio
real flutuando em torno do equilíbrio competitivo nos próximos anos.
*LUIZ CARLOS
BRESSER-PEREIRA,* 81, é professor emérito da Fundação Getulio Vargas. Foi ministro da
Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e
Tecnologia (governo FHC)
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