O que o Brasil deve à direita?
Emir Sader, no Brasil
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Poucas
vezes se viu uma força política tão empenhada em conquistar o governo, depois
de uma derrota eleitoral, como a que usa a direita brasileira desde já há mais
de um ano. Impeachment, renúncia, golpe, Temer – sob qualquer forma, o que a
anima e a unifica é a tentativa de derrubar o governo eleito.
É
de se perguntar o que pretenderiam fazer com o país, caso retornassem ao
governo, para que atuem com tanta fúria e com tanta pressa? Possuem fórmula mágica
e imediata para recuperar o país da crise? Em que contribuições que deram ao
país se baseiam para ambicionar tanto a voltar a dirigi-lo?
Em
outro momento da nossa história recente, a direita assediou sistematicamente o
poder, até conquistá-lo. O projeto começou com o retorno das tropas brasileiras
da Itália, ao final da segunda guerra, quando, sob o comando de Golbery do
Couto e Silva e de Humberto Castelo Branco, foi fundada a Escola Superior de
Guerra. Munida da Doutrina de Segurança Nacional, a ESG começou a colocar em
prática a estratégia dirigida pelos EUA na guerra fria, de conquista plena dos
Estados, para transformá-los em quarteis generais na luta contra a
"subversão comunista".
Ao
longo dos governos de Getúlio, de JK e de Jango, foram se desenvolvendo
tentativas de golpe militar como via para se chegar ao poder, dadas as derrotas
reiteradas dos seus candidatos nas eleições. Foram se articulando programa de
governo até que, vitoriosa finalmente a estratégia, o golpe de 1964 pôde
colocar em prática o projeto da direita brasileira, dispondo de todo o poder
possível, por meio do governo das FFAA.
Aí
a direita, mais além das promessas de "resgate da democracia do perigo da
ditadura comunista", pôde demonstrar ao que vinha. Destruiu tudo o que
havia de democrático no Brasil, impôs o arrocho salarial – com seu corolário de
intervenção militar em todos os sindicatos -, promoveu a ideologia de segurança
nacional como ideologia de Estado e governou de forma subordinada às politicas
dos EUA, de quem cumpriu o papel de subimperialismo.
A
economia brasileira se modernizou, mas amputou o mercado interno de consumo
popular da sua política econômica, com a concentração de renda impondo o eixo
de exportação e consumo de luxo como os objetivos essenciais do modelo. O
arrocho salarial foi o santo do "milagre econômico", que acentuou,
como nunca, a desigualdade social no país.
A
destruição da democracia e a imposição de um modelo econômico que favorecia
centralmente as grandes corporações econômicas – que fizeram do Brasil o
país mais desigual do continente mais desigual – foram as contribuições daquela
experiência de mais de duas décadas de poder absoluto da direita no Brasil.
Mais
tarde, a derrota das eleições diretas permitiu que um novo bloco da direita,
espelhado na presidência de José Sarney, apoiado numa aliança entre o velho e o
novo, esgotasse o impulso democrático, abrindo caminho para que um
"filhote da ditadura", Fernando Collor de Mello, colocasse em prática
outro projeto da direita – o neoliberal. Que, cortado pela sua queda, foi
retomado por FHC.
Que
contribuições essa nova fase da direita no governo trouxe para o país? A
estabilidade monetária – conseguida inicialmente, embora a inflação retornasse
posteriormente –, sem políticas sociais que atacassem o problema central do
país.
A
herança maldita recebida pelo Lula, de recessão profunda e prolongada, Estado
desarticulado, sociedade fragmentada, endividamento 10 vezes maior, inflação de
retorno, desigualdade aumentada, refletia os resultados daqueles governos.
Essas
foram as contribuições que a direita trouxe para o país. E, pelos programas dos
seus candidatos nas ultimas eleições, ambos com gurus de perfil neoliberal, não
seria diferente do que foi o governo FHC, um retorno da direita ao governo –
por mais que prometam manter as políticas sociais dos governos atuais.
A
ansiedade por desalojar o PT do governo é tal que agora a direita nem sequer
menciona como trataria de superar a crise atual. Seu objetivo – por
impeachment, golpe, Temer ou como seja – é apenas tirar o PT do governo e
tentar impedir o sucesso de uma candidatura Lula.
Os
governos da direita não trouxeram contribuições positivas ao país, nem do ponto
de vista democrático, nem do econômico ou do social. O governo de Mauricio
Macri, na Argentina, demonstra que, do que se trata para a direita do século
XXI na América Latina, é de repor os grandes interesses econômicos no comando
do governo, sem os contrapesos que um Estado nas mãos de governos com
sensibilidade social representa. Seria uma restauração conservadora, tanto do
ponto de vista do regime político, como das políticas econômicas, com seus
duros reflexos no plano social. Esse é o ideal da direita brasileira no século
XXI.
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