Pau que bate em Luiz bate em Fernando?
Guilherme Boulos, no Diário do Centro do
Mundo
No apagar das luzes de seu mandato, o ex-presidente promoveu um
jantar no Palácio do Planalto para a nata do PIB nacional – Odebrecht, Gerdau,
Lázaro Brandão, entre outros – com direito a vinho francês e refinado menu. Mas
o prato principal era obter dinheiro para o financiamento de seu instituto após
sair da Presidência. Conseguiu naquela noite a bagatela de R$ 7 milhões.
O
filho do ex-presidente teve as contas de um hotel de luxo em Ipanema, onde
morou por certo período, pagas por um grupo empresarial do setor têxtil. Andava
pra lá e pra cá de BMW e tinha um jatinho permanentemente à sua disposição.
Isso tudo com o pai ainda na Presidência da República.
O
ex-presidente e seu partido foram acusados por certo senhor, que foi seu
Ministro de Estado e figura ativa na campanha eleitoral, de terem apropriado
nada menos que R$ 130 milhões de sobras de campanha em sua primeira eleição,
sendo R$ 100 milhões de caixa dois. Disse ainda que o recurso foi provavelmente
enviado ao exterior.
O
nome deste ex-presidente é Fernando Henrique Cardoso. O filho pródigo é Paulo
Henrique Cardoso. E o acusador dos desvios na campanha de 1994 é José Eduardo
de Andrade Vieira, banqueiro que foi ministro da Agricultura de FHC.
Nenhum
desses fatos é novidade. Mas não renderam dez minutos no “Jornal Nacional” por
dias a fio nem repetidas manchetes da Folha. Não fizeram também com que FHC e
seu filho fossem intimados a depor pelo Ministério Público.
Se fosse o Lula…
Aliás,
o mesmo Ministério Público de São Paulo que intimou Lula e sua esposa não
denunciou nenhum agente político no escândalo do “trensalão” tucano e arquivou
o caso das irregularidades no monotrilho, que apareciam numa planilha
apreendida com Alberto Youssef.
Seguindo
a toada, o Ministério Público de Minas Gerais também pediu o arquivamento do
caso do aeroporto de Claudio. O então governador Aécio Neves (PSDB)
desapropriou a fazenda de seu tio para construir um aeroporto, cuja chave (do
aeroporto “público”) ficava em poder de sua família. O MP mineiro não viu
motivo algum para intimar Aécio ou oferecer denúncia.
FHC
é tratado pela mídia como grande estadista e nunca foi incomodado pelo MP ou
pela Polícia Federal. Em seu governo, aliás, ambos eram controlados na rédea
curta. Suas transações com o pecuarista e empresário Jovelino Mineiro, seja na
controversa fazenda de Buritis (MG), seja na hospedagem frequente em
apartamento na capital francesa, nunca geraram grande alarde. Atibaia desperta
mais interesse que Paris.
Aécio,
por seu lado, desfila em Brasília como defensor da moralidade. Tal como FHC é
aplaudido em restaurantes e não tem porque se preocupar com investigações. Seu
nome apareceu em mais de uma delação da Lava Jato, mas não cola
Em
relação a Lula, a disposição é outra. Uma canoa vira iate. E o depoimento de um
zelador é tratado como condenação transitada em julgado.
É
verdade que Lula e o PT pagam o preço de suas escolhas. Não enfrentaram em seu
governo a estrutura arcaica do sistema político brasileiro, onde interesses
públicos e privados sempre conviveram promiscuamente. Mantiveram intocado o
monopólio midiático empresarial, que hoje os dilacera. E optaram por uma
aliança com a elite econômica, pensando talvez que seriam tratados como os “de
casa”. Chocaram o ovo da serpente.
Mas
criticar suas escolhas estratégicas – como é o caso aqui – não significa
legitimar um linchamento covarde e com indisfarçado interesse político. Se há
acusações em relação a favorecimentos da OAS ou da Odebrecht, que Lula seja
investigado. Como Fernando Henrique nunca foi e os grão-tucanos não costumam
ser.
Contudo, investigação – e jornalismo investigativo – não podem
carregar as marcas das cartas marcadas e da seletividade. Definir que Lula é o
alvo e, depois, fazer uma devassa pelo país em busca de um argumento factível é
transformar investigação em achincalhamento e argumento em pretexto.
Como gosta de dizer um famoso morador de Higienópolis: “assim não
pode, assim não dá”.
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