Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo
Pela primeira vez, a palavra foi relacionada a Michel Temer
por Dilma Rousseff na terça-feira. Sob as tensões hostis das atuais
circunstâncias, a palavra demorou: o comedimento verbal de Dilma, a atacada, no
qual "golpista e golpismo" foram o tom mais elevado, pode ficar como
um caso excepcional. A palavra, na frase transcrita por Bernardo Mello Franco:
"Se ainda havia alguma dúvida sobre o golpe, a farsa e a traição em curso,
não há mais". Traição.
O rompimento pessoal e do PMDB com Dilma, conduzido por
Michel Temer de ponta a ponta, com auxílios de Romero Jucá como
"laranja", foi incomum em política. Mais do que não ser uma reação,
como seria próprio de um rompimentos político, o orientado por Temer não teve
nem sequer um fato anódino para invocar. O partido era parte do governo,
detentor do maior número de ministérios e de cargos em todas as reformulações
ministeriais, ainda hoje com peemedebistas no governo. Ministros indicados pelo
próprio Temer ou pelo PMDB sob sua presidência.
Para ter algo a dizer, em duas ocasiões Michel Temer
precisou recorrer à combinação de ridículo e inverdade. Em uma, teria
"passado quatro anos como vice-presidente decorativo". À parte a
impropriedade pessoal do adjetivo, nos seus longos e improdutivos anos como
deputado, Temer poderia propor emenda constitucional que desse ao
vice-presidente mais atribuições do que o fixado pela Constituição. Nem ao
menos cogitou do tema.
Temer diz agora: "Nesse período em que fui [foi, já?]
vice-presidente, nunca tive um chamamento efetivo para participar das questões
do governo". Participou, sim, de muitas reuniões políticas e deliberativas
na Presidência. Também várias vezes convidado a assumir a coordenação política
do governo, ao aceitá-la, afinal, não mostrou mais trabalho e habilidade do que
para o velho "é dando que se recebe". Só agravou o que estava errado
na coordenação política. Em pouco tempo, deixou a atividade por iniciativa
própria, esgotados os cargos a ceder e os colegas a favorecer. E a sinceridade
de sua queixa era tão decorativa que quis ser o companheiro de Dilma na
reeleição.
A outra queixa foi a falta de convite para estar na conversa
entre Dilma e o vice-presidente do EUA, Joe Biden, que, segundo Temer, veio
aqui para estar com ele. Os vices em viagem são portadores de mensagens dos
seus presidentes aos presidentes visitados. A conversa com Dilma era mesmo só
com Dilma. E Biden, sabedor da lamúria de Temer, ainda teve a gentileza (ou a
ironia) de prometer-lhe um encontro como consolo.
A divulgação do "discurso da vitória" seguiu o
método Temer: o ridículo na explicação inconvincente. Elio Gaspari observou que
nos 14 minutos dessa presunção "faltou não só a palavra" – corrupção –
"faltou qualquer referência ao tema". Não à toa. É só olhar, como fez
com desalento certo ministro do Supremo, quem está à volta de Temer. Dos
"anões do Orçamento" a Eduardo Cunha, a coleção é completa. Incluído,
claro, o recordista, quando governador, de transações anuladas por fraude com
as grandes empreiteiras.
Se é um sinal para a Operação Lava Jato e seus
desdobramentos, cabe-lhe interpretar. Por mim, pelo que já vi, nisso não
percebo sinal, mas certeza.
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