Walter Sorrrentino, em seu blog
Há
muita matéria comburente no ar e risco de qualquer faísca de um fio desencapado
incendiar o ambiente. Refiro-me, para além da crise política interminável, à
crise institucional que toma corpo.
Temer
aprofunda a crise no país
O
Judiciário foi invadido pelo ativismo político. O Ministério Público, a Lava
Jato e a Polícia Federal, numa autonomização relativa de seu papel no Estado,
enredaram-se na criminalização geral da política e partidarizaram a Justiça. Fazer
justiça com vários pesos e várias medidas, seletivamente, é promessa de
imprevisibilidade e de justiçamentos.
A Lava
Jato promove um Estado policialesco quanto à política e aos políticos. Fazem do
sistema político uma terra arrasada com o que se promove no país as tendências
mais reacionárias e intolerantes.
Ao
transformar a política num “caso de polícia”, a delação premiada, instrumento
que poderia ser importante arma no combate à corrupção, vai sendo desvirtuada.
Delações obtidas sob pressão, o que não tem outro nome senão tortura
psicológica, e que muitas vezes são utilizadas como “provas” únicas para
solicitar indiciamentos, faz com que delatores engrossem o relato de crimes –
supostos, sugeridos ou inexistentes -, para aumentar o prêmio perante a Justiça
e diminuir suas penas. A partir delas, o aparato policial-judicial se encarrega
de vazamentos seletivos contra alvos políticos: seletivo quanto a quem será
espancado na opinião pública, e seletivo porque cada nicho policial-judicial é
fornecedor de determinados órgãos da mídia como servidores dedicados.
Já é
uma grande demonstração de fragilidade das instituições pretender que não se
combate a corrupção sem apelar à exceção. Não bastasse, assim agindo o
Judiciário choca-se com o Legislativo. A Câmara dos Deputados está com seu
presidente afastado, após ter acatado um impeachment fraudulento para
chantagear seus pares e usar a situação para tentar safar-se da condenação. O
Senado, por sua vez, tem diversos de seus próceres envolvidos na Lava Jato e pode
acatar o pedido de impeachment do Procurador Geral da República que se sente
acima dos mortais comuns.
Ambos
os movimentos envolvem o Executivo, privado de legitimidade básica, mas que age
como se fora permanente, alterando fundamentos constitucionais na interinidade,
fazendo o “serviço sujo” que dele se espera. Além disso, é intrinsecamente
dependente do Congresso, acatando as chantagens de Eduardo Cunha e mantendo-se
sob tutela até alcançar a votação do impeachment. Sem falar do fato de vários
de seus ministros caíram por envolvimento na Lava Jato.
No
“novo normal” vigente por ora no país, a esquerda e seu projeto dos últimos 14
anos é o alvo central; vai se somar a isso tentar criminalizar todo o movimento
social, que reagirá. Balas perdidas podem atingir indiscriminadamente qualquer
um, desfazendo o sentido de justiça. É o caso, por exemplo, de tentar alvejar
nessa sanha o PCdoB. “Denúncias” contra Jandira Feghali e Aldo Rebelo são
magnificadas por Veja e Globo, depois repercutindo em ondas de choque no restante
da mídia. Até a UNE invocaram, supostamente para “atingir” o PCdoB, por meio de
uma CPI que está em vias de ser instalada. Configura-se aí aqueles casos do
tipo “diz-me quem te ataca e te direi quem és”: tiveram e terão resposta à
altura, se se fizer realmente Justiça.
Enquanto
isso, o governo interino segue de crise em crise. O que o consórcio
político-judicial-midiático conseguiu por ora, junto à anterior oposição
política, foi blindar a política econômica, deixada à margem da crise política.
Era o que os unia, além de derrubar Dilma e dividir o butim.
Temer
vai promovendo uma poderosa regressão com respeito ao ciclo aberto em 2003:
derrocada dos direitos do trabalho, privatizações e uma “adequação” funcional
do Estado por meio de tornar letra morta a Constituição democrática de 1988 – a
qual já violaram na norma democrática com a fraude do impeachment.
A
maioria da nação assiste com estupor aos acontecimentos. E mais grave: a pátria
é subtraída em tenebrosas transações – não bastassem aquelas até aqui apuradas
na Lava Jato. Vão sendo destruídas bases importantes do desenvolvimento
nacional, pondo ao chão as poderosas empresas da engenharia nacional.
Aplaina-se o caminho no qual as forças antinacionais semeiam a “nova agenda”
pretendida: engatar o Brasil nas cadeias globais do neoliberalismo, de modo
subordinado e dependente, oferecer o mercado brasileiro à sanha dos poderes
financeiros internacionais, aprofundar a desnacionalização e a
desindustrialização e emascular o Estado nacional ao nível de um aparato
corporativo.
Em
síntese, o sistema político omisso abre caminho para o ativismo judicial, este
se desvirtuou no necessário combate à corrupção e a presidência de Temer,
interina ou não, será sempre carente de forças para ter algo mais que um papel
de biônico e pau mandado dos setores mais retrógrados da política brasileira.
O
entrecruzamento dessas vertentes é garantia de agravamento da crise política e
institucional, e tal instabilidade impedir retomar o crescimento da economia.
Como não há vazios na política, e dado que a “classe política” brasileira é
sagaz e profissional, o risco é de ser pactuadas entre eles saídas à margem da
sociedade. Seriam saídas que limpem a “cena do crime” do impeachment e da Lava
Jato, e, no limite, sacrifiquem eles próprios o governo interino. Na negociação
entre o sistema político e a Lava Jato, seria oferecida uma reforma política
draconiana e antidemocrática e, no limite, se inviabilizado o governo Temer,
eleição indireta à presidência.
O país
está numa encruzilhada sem desfecho à vista, por ora. Há uma crise de hegemonia
para qualquer dos projetos em disputa. O Brasil está em risco, a democracia
está em risco. Situação de excepcional complexidade política e institucional,
que pode evoluir para uma crise nacional geral, vai envolver saídas
necessariamente para além da moldura institucional de tempos normais de
temperatura e pressão.
As
forças comprometidas com o projeto nacional, a democracia e os interesses
populares precisam disputar propostas de saídas políticas que impeçam a rota de
colisão, promovam o reencontro da sociedade com a política, fortaleçam a
democracia e os interesses do desenvolvimento nacional.
Proposta
que combata o impeachment e o governo Temer. Proposta que impeça acordos de
cúpula produzidos pelas forças dominantes hoje no governo. Proposta que seja
exequível quanto à governabilidade aos olhos da maioria do povo, e ofereça
perspectivas de que o país e o povo podem seguir adiante, com sacrifícios, mas
sem destruir as conquistas alcançadas.
Combatendo
no terreno político, social e cultural, é preciso reunir forças largas e
poderosas, nucleadas pela esquerda, para se contrapor ao impeachment e ao
governo ilegítimo de Temer. Além disso, igualmente no terreno democrático, é
preciso propor caminhos para renovar o sistema político, não destruí-lo na onda
da Lava Jato.
São
dois sistemas de contradições a enfrentar, lado a lado, para preservar a
democracia. Com relativa autonomia de cada qual, exigem movimentos e exploração
de contradições, alianças e neutralizações de forças de diversos tipos.
Não há
como reunir poder capaz de se contrapor à crise e à realidade atual das
instituições, se não for invocado o primeiro dos poderes: a soberania do voto
popular. Ou seja, realizar eleições presidenciais antecipadas. O
presidencialismo e sua tradicional força no Brasil tem sido – haja vista a
longa história de golpes entre nós, sempre promovidos pelas forças reacionárias
– a arma que permitiu avanços dos interesses nacionais e populares.
Esta
será uma maneira de dar perspectiva de saída política aos olhos do povo para a
luta sem tréguas às forças que promoveram o golpe institucional do impeachment,
à ilegitimidade do governo Temer – mesmo que fosse aprovado o impeachment – e
contra o seu programa antinacional e antipopular: mobilizar a sociedade pela
realização de um plebiscito que leve o povo a se manifestar se deseja eleições
antecipadas para presidente, após a derrota do impeachment no Senado Federal e
a devolução do mandato legítimo de presidente da República a Dilma Rousseff.
Com a
sinalização e concordância da presidenta, estariam criadas as condições de
força necessárias para retornar o governo Dilma, com a missão de propor um
desfecho à crise, não apenas um remendo que se arrastaria até 2018, e pôr fim a
essa página obscura da vida nacional.
As
largas forças democráticas e progressistas, mais a esquerda política e social,
precisam ter paciência, sim, para formar consenso para tal proposta, mas também
senso de urgência para propor uma saída política a tempo de produzir efeitos na
derrotar o impeachment, impedir pactuações que se realizem à margem do povo, e
disputar de fato os vastos setores da sociedade que ainda assistem aos
acontecimentos.
*Walter
Sorrentino é médico e vice-presidente nacional do PCdoB.
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