Luciano Siqueira,
no portal Vermelho e no Blog do Renato
Quando da assunção de Luís Inácio Lula da Silva à presidência
da República, em 2003, um novo ciclo de transformações econômicas, políticas e
institucionais se fazia potencialmente possível.
Na prática, um complexo processo de transição da ordem
neoliberal, herdade de FHC & Cia, a um novo projeto de desenvolvimento cujas
linhas gerais sequer estavam postas com consistência.
Ou seja: sabíamos para onde ir, mas não exatamente “o quê”
buscar e “como” alcançar.
Se “objetivamente” se exaurira o ciclo de políticas
neoliberais, que perdurara de Collor a FHC, possibilitando agregar em torno da
liderança de Lula e do sentimento mudancista da maioria da população forças
políticas e segmentos sociais os mais diversos; do ponto de vista das
"forças subjetivas", muito haveria de se construir.
O PCdoB, embora minoritário na coalizão vencedora,
contribuira substancialmente para o entendimento do PT acerca de questões
táticas essenciais, como a centralidade da questão nacional, ao lado das variáveis
democrática e social; o caráter amplo da frente eleitoral e o reconhecimento
dos movimentos sociais como força motriz.
E, à luz do seu programa socialista, apontou os fundamentos
do novo projeto nacional, acentuando a necessidade de combinar o enfrentamento
dos problemas imediatos com a realização de reformas estruturantes. Porém nem
sempre com audiência desejada.
Porque ao PT e ao núcleo político que conduzira a batalha
eleitoral ao êxito, escapava o descortino estratégico de longo prazo,
estrutural. O "poder" já havia sido conquistado, nos limites
programáticos determinados pelo Estado vigente.
Também a devida compreensão da real correlação de forças escapava,
como ainda escapa. E, em decorrência, o titubeio tático - ora abrindo
exageradamente o leque das concessões aos segmentos das classes dominantes
momentaneamente aliados, ora exacerbando o DNA exclusivista.
Demais, problemas políticos, teóricos e técnicos de imensa
dimensão, próprios de um país geopoliticamente importante e numa quadra de
crise e de "renovação" das engrenagens da reprodução do capital em
escala mundial, não chegaram à mesa da coalizão governante.
Mesmo as medidas anticíclicas adotadas (em boa medida
acertadamente) por Lula, quando eclodiu a crise global em 2008, não se
associaram ao enfrentamento de problemas estruturais que mantêm nossa economia
em atraso, com baixa produtividade e limitada competitividade internacional.
Em outras palavras, sempre houve, mesmo nos melhores
momentos da última década e meia, uma perigosa defasagem entre as
possibilidades de avançar no sentido de um novo modelo de desenvolvimento (soberano,
democrático e socialmente menos injusto) e a capacidade subjetiva de perseguir
esse intento.
Agora, sobre os escombros da derrota, às portas da decisão
do impeachment pelo Senado, as lições da conturbada experiência vivida estão
longe de ser consideradas.
A principal força política da coalizão democrática - o PT -
queda-se dividida e acuada e ensaia fechar-se em copas, reduzindo o objetivo
central de agora a uma defesa da própria sobrevivência.
Isto contamina parcelas expressivas dos movimentos sociais
mobilizados contra o golpe.
"Salve-se quem puder" parece ser a palavra de
ordem.
Assim, a agenda posta nas condições ora adversas - impedir a
consumação do impeachment, forjar um pacto nacional amplo, comprometido com a
realização de um plebiscito que decida sobre a antecipação das eleições
presidenciais - ainda é encarada com muita resistência.
Muitos enxergam apenas o calendário eleitoral, como se o
impeachment seja inexorável e valesse aguardar o agravamento da situação do
país como consequência natural do governo Temer e buscar nova vitória eleitoral
em 2018.
Uma visão simplista da realidade, que nem de longe
compreende que a consolidação do golpe ser dará, se assim ocorrer, pelo
desmonte das conquistas recém-obtidas pelo povo e a imposição de um modelo
perverso atualizado, inclusive com o aprimoramento do caráter antidemocrático
do Estado.
O que faltou antes - descortino estratégico, correta
compreensão dos desafios táticos, enfrentamento de problemas estruturais e
construção da unidade entre as forças de cunho popular - está faltando agora.
Vale reagir, como o PCdoB tem feito. Mas a empreitada não é
fácil.
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