Haroldo Lima, no Jornal do Brasil
O processo de impeachment da presidenta Dilma vai revelando, cada vez
mais, contradições e perfídias. Atinge personalidades de destaque, amplia
a crise política, coloca mal todos os três Poderes constituídos da
República.
Depois de termos nos tornado a sexta economia do mundo, e
quando nossas históricas desigualdades sociais e regionais estavam diminuindo,
passamos a enfrentar dificuldades crescentes, oriundas de fatores externos e
internos.
O Poder Executivo não conseguiu conter a queda de nossa produção,
debelar a desindustrialização, impedir que entrássemos em recessão e que a
recessão se estendesse por dois anos seguidos.
Um esquema corrupto foi descoberto, revelou-se grande, organizado e
antigo, atuante dentro e fora da nossa maior empresa, a Petrobras. O esquema
foi combatido, mas o sistema Petrobras foi abalado e toda a economia foi
atingida.
Forças políticas derrotadas na eleição de 2014 não acataram seu
resultado e, desde então, postulam o afastamento da presidenta eleita.
Gradativamente foi-se conformando uma frente oposicionista com os derrotados na
eleição, com setores do Judiciário,do Ministério Público Federal e da
Polícia Federal, em íntima sintonia com a grande mídia do país.
O Poder Legislativo, a partir da Câmara dos Deputados, deu andamento ao
impeachment da presidenta, sem que se configurasse crime de responsabilidade
contra a mesma. Realizou uma sessão bizarra, chamada de "sessão do
horror", tamanho o seu baixo nível. Pouco depois, por ser réu em processo
de corrupção no Supremo Tribunal Federal, STF, o presidente da Câmara foi
afastado de suas funções. Seu sucessor não consegue sequer dirigir os trabalhos
de rotina.
O Poder Judiciário, pela ação do STF, contribuiu para dotar o
impeachment de um rito juridicamente sólido, mas acumulou tantas distorções que
ficou fragilizado. Recebeu, do Procurador Geral da República,
pedido de afastamento do presidente da Câmara e só o despachou quase
cinco meses depois, quando o dito presidente já encaminhara o impeachment, por
ato monocrático de vingança, em aberto "desvio de poder". Mandou
prender um senador flagrado em gravações conspiratórias, Delcídio do Amaral,
ligado ao governo Dilma, no exercício de seu mandato e sem flagrante delito, e
não fez até agora nada, quando outro senador, o Romero Jucá, contrário ao
governo Dilma, foi pilhado em situação absolutamente similar.
A crise portanto é ampla e geral. Alcança os três Poderes da República.
As recentes gravações apresentadas por Sérgio Machado, em suas delações, só a
fazem expandir e mostrar o quanto a corrupção era profunda no lado contrário ao
governo Dilma, até então estranhamente acobertado pelo juiz Sérgio Moro.
Sair da crise salvando a democracia é objetivo do qual não se deve abrir
mão. Isto passa pelo respeito à legalidade democrática, desenganadamente
definida pela vontade soberana das urnas de 2014, que elegeu Dilma Rousseff
para a presidência da República; passa, também, por repelir este
impeachment sem crime que, por isso, é visto como um golpe, ainda mais agora,
depois que o seu articulador principal no Senado, Romero Jucá, disse, de viva
voz, nas gravações do Sérgio Machado, que o impeachment era necessário para
conter a "sangria" em curso, barrar a Lava Jato e preservar
corruptos, a ele ligados.
Uma vitória do impeachment no Senado, truncaria a democracia no país.
Introduziria na cena política um governo ilegítimo, que seria o de Temer.
Despertaria críticas no exterior, inclusive dos mais destacados órgãos de
imprensa, que já não poupam censura ao governo transitório que hoje Temer dirige,
como se transitório não fosse. Não teria chance de governar. Reporia no
Brasil a luta pela restauração da democracia, contra um governo que não
foi eleito, e que desbancou, sem razões, um governo legitimamente eleito.
A votação ocorrida no Senado, quando da "admissibilidade" do
impeachment, precisa ser revertida. Naquela votação, 55 senadores votaram pela
continuidade do processo. Se na votação do julgamento esse número cair para 53,
o impeachment estará derrotado, porque os 2/3 de votos para cassar o mandato da
presidenta não seriam atingidos.
Alterar posições da votação passada é assim essencial, e é
factível. Não só porque alguns senadores votaram na "admissibilidade"
dizendo não estar votando no impeachment, como porque a presidenta Dilma, e
forças que a apóiam, poderão enfrentar essa votação de mérito com uma
proposição eminentemente nova, a de buscar os caminhos para antecipar a
eleição direta para presidente da República.
A derrota do impeachment no Senado,na votação final que se aproxima,
será a demonstração de que a vontade de 54 milhões de eleitores brasileiros que
votaram em Dilma naquela eleição de 2014, foi respeitada. A democracia
ficaria fortalecida.
Contudo, nosso desafio não é só salvaguardar o resultado democrático das
urnas. É encontrar, através da democracia, uma saída para o país. A
presidenta Dilma, reempossada, restaurará a legalidade democrática, mas terá
enorme dificuldade em governar a Nação, sem base parlamentar e com baixa
popularidade. A crise persistirá, com novos episódios, quem sabe, mais
complexos ainda.
A decisão pela antecipação da eleição direta para presidente da
República - uma espécie de Direta Já - cria o pressuposto para o encontro do
meio adequado disto ser feito. Um Plebiscito poderia autorizar o
Congresso a essa antecipação.
A presidenta Dilma, com sua formação patriótica e democrática, ao se
comprometer com esse caminho, ajudaria, e muito, a luta pela derrota do
impeachment. Uma alternativa democrática seria aberta para o país.
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