Participação
recorde não é o suficiente. Elas querem - e estão sendo - as protagonistas
destes Jogos.
Por Marina Rossi, do El Pais
Era domingo à tarde no Rio de Janeiro olímpico e alguns
dos bairros mais cenográficos da cidade foram cortados pelas ciclistas que
disputavam o melhor tempo na categoria ciclismo de estrada. A brasileira Flávia
Oliveira não ganhou medalha, mas entrou para a história como o melhor lugar na
categoria jamais conquistado por uma brasileira. Ficou na sétima posição, a
apenas 20 segundos de distância da primeira colocada. Das 68 ciclistas na
disputa, apenas nove completaram a prova no mesmo minuto, o que mostra a
façanha de Flavia, ainda que tenha ficado fora do pódio.
Os novos ‘inquisidores’ tomam conta da rede - No dia
seguinte, a judoca Rafaela Silva brigava no tatame por sua vingança dourada. Na
Olimpíada de Londres 2012, ela perdera nas oitavas de final, o que resultou em
uma avalanche de críticas e xingamentos, inclusive racistas, nas redes sociais.
Chegou a ser chamada de macaca. Aquilo havia abalado o emocional da judoca a
ponto de fazê-la pensar em parar de lutar.
Mas o Rio seria a sua revanche. Com um wazari aplicado na
líder do ranking, Sumiya Dorjsuren, da Mongólia, Rafaela Silva conquistou o
primeiro - e até agora único - ouro do Brasil nesta Olimpíada. As mulheres,
dede o início, representavam a grande esperança de medalha no judô brasileiro.
Mariana Silva quase chegou lá, perdendo na semifinal, nesta terça. Levando em
conta que a participação feminina no judô em uma olimpíada é coisa recente - só
passou a ser permitida em 1992 - as judocas avançam com uma velocidade de
canhão em relação aos atletas homens no Brasil. Em Londres 2012, Sarah Menezes
conquistou o único ouro do esporte.
A vitória acachapante de Rafaela Silva, porém, não foi capaz
de frear o duro tribunal das redes sociais. No mesmo dia em que o Brasil
ganhava seu primeiro ouro, no tatame, perto dali, na piscina, a nadadora
brasileira Joanna Maranhão ficava de fora da semifinal dos 200 metros Medley. Os inquisidores
da Internet rapidamente reagiram com ofensas, xingando a nadadora e remexendo
em uma história pesada do seu passado.
Mas, ainda que longe dos tatames, Joanna não fugiu da briga.
“As pessoas não gostarem do meu rendimento é um direito delas”, disse a atleta
ao canal SporTV. “Nem todo mundo compreende a grandiosidade e a competitividade
que é a natação mundial, o quanto que brigamos para chegar na final. Mas
desejar que eu seja estuprada, que minha mãe morra, que um bandido me mate, que
eu me afogue. Falar que a história da minha infância foi algo que inventei para
estar na mídia, isso ultrapassa”, disse.
Em 2008, a nadadora reuniu forças para revelar publicamente
em uma entrevista que sofreu abuso sexual de ex-treinador, Eugênio Miranda.
Agora, tanto tempo depois, usam dessa história para atingir a nadadora, que
reagiu. “Quando vem para a história da minha infância, o desrespeito às
mulheres, pelo fato de ser do Nordeste, aí vou ter que tomar medidas
jurídicas”, afirmou ao canal de TV.
Poucas horas depois da derrota de Joanna, o Estádio Deodoro
era palco de uma cena que entrou para a história das olimpíadas, sem envolver
medalhas. A jogadora de rugby da seleção brasileira, Isadora Cerullo, foi
pedida em casamento. Por sua namorada. E aceitou, beijando-a na frente de toda a
imprensa e da torcida. A cena ocorreu após a Austrália ser coroada com o ouro.
O Brasil não subiu no pódio com o rugby, mas em tempos de estatuto da família,
a jogadora, cuja foto rodou o mundo, ganharia fácil uma medalha pela luta
contra o preconceito.
O simples fato de esta ser a Olimpíada com a maior
participação feminina da história (45% das atletas são mulheres) já seria um
dado a ser minimamente comemorado. Mas isso é pouco. As atletas brasileiras
querem disputar também o protagonismo dos Jogos, no quadro de medalhas, com
suas desafiantes histórias, e não só encaixadas nos estereótipos de gênero. E
até o momento vem conseguindo.
São elas que estão carregando nas costas o peso da
expectativa e da busca de uma alegria da pátria do futebol. A seleção brasileira
feminina ganhou o primeiro jogo por 3 a 1 contra a China, na sexta-feira. Na
partida seguinte, no sábado, fez mais bonito ainda e deu uma goleada na Suécia,
vencendo por 5 a 1. Nesta terça, empatou em 0 a 0 contra a África do Sul, mas
ainda assim saíram de campo aplaudidas em Manaus. Enquanto isso, a seleção
masculina de futebol amarga uma triste decadência: ficou no zero a zero nas
duas partidas que jogou até o momento.
Não é à toa que se tornou emblemática a imagem da camiseta da
seleção com o nome de Neymar - riscado. Por cima, aparece escrito Marta, a
estrela do futebol feminino. Não é pouca coisa. A maioria do tempo, as
mulheres, apesar dos avanços históricos e recentes que ajudaram inclusive a
disputar modalidades olímpicas reservadas aos homens, sequer aparecem lado a
lado com os homens. Elas ganham menos (inclusive no esporte, basta ver as
diferenças salariais nas equipes de futebol e vôlei brasileiros), trabalham
mais, são a maior parcela de vítimas de violência doméstica e nem sendo figuras
públicas escapam de escrutínio preconceituoso. É por isso que a Rio 2016, a
julgar pelos últimos dias, parece emplacar um novo bordão para sepultar o
clichê machista: agora é lute como uma mulher.
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