Ao ignorar os problemas associados ao austericídio,
a mídia insiste em martelar na suposta 'competência técnica' dos integrantes do
alto escalão temerário.
Paulo Kliass *, na Carta Maior
O
esforço hercúleo realizado pelos grandes meios de comunicação para blindar os
membros da equipe econômica do governo interino parece que tem obtido algum
resultado sobre o comportamento das pessoas em geral. A situação de crise
aberta só tem se aprofundado a cada dia que passa: desemprego, número de
falências, redução do consumo e da massa salarial, diminuição das verbas
orçamentárias para serviços públicos essenciais, entre tantos outros aspectos.
Mas o Brasil das editorias de economia parece ser outro.
Ao
ignorar os problemas associados à receita do austericídio, os jornalões e as
telinhas insistem em martelar na suposta “competência técnica e qualificação
profissional” dos integrantes do alto escalão temerário. Preocupados apenas em
disseminar a visão parcial do financismo a respeito da terrível situação do
País, a imprensa pouco se preocupa com o fato de que a inflação continua
praticamente nos mesmos níveis de antes e que as empresas do setor financeiro
são as únicas a apresentar, de forma continuada e sistemática, seus vergonhosos
ganhos bilionários.
O
Brasil corre o sério risco de penetrar na pior depressão de sua história no
último século e mesmo assim os especialistas não se atrevem a criticar as
opções de política econômica que vêm sendo implementadas pela dupla de
banqueiros no comando do governo. Um ex-presidente internacional do Bank of
Boston em sintonia com um dos diretores do Banco Itaú revelam a que tipo de
interesse os responsáveis pela economia estão preocupados em atender. Henrique
Meirelles na Fazenda e Ilan Goldfajn no Banco Central (BC) vêm atuando de forma
harmônica entre si, com o firme propósito de manter arrochada a política
monetária. O argumento retórico e conceitual permanece sendo a necessidade de
protagonizar o bom e velho combate sem tréguas à inflação. Um enorme equívoco.
Tripé continua firme e forte - E aqui começamos a responder
a pergunta do título do artigo. Afinal, como anda a SELIC? Com a finalidade de
montar um teto protetor aos (ir)responsáveis pela economia, a imprensa parece
se esquecer do que vem acontecendo com a condução da política monetária. Talvez
esse comportamento d esconder os males se justifique pelo verdadeiro desastre
que continua a ser praticado nesse quesito. Para não perecer injusto, é
necessário reconhecer que algumas palavras foram dirigidas a Goldfajn, sempre
elogiosas. E aqui elas parecem uma verdadeira seção “Caras” de cobertura da
economia, lembrando aos leitores que as decisões do COPOM serão liberadas mais
cedo ao final das reuniões e que as atas serão redigidas em uma linguagem menos
inacessível. Sim, mas e daí?
O
fato relevante é que a política monetária não sofreu nenhuma alteração em sua
essência. Assim como o tripé da política econômica, que continua inalterado,
com a permanência das seguintes características: i) regime de metas de
inflação; ii) taxa de câmbio flutuante, formada apenas pela oferta e demanda de
divisas; e iii) esforço pela geração de superávit primário. A política
monetária não mudou pelo simples fato de que a taxa oficial de juros permaneceu
nos mesmos níveis estratosféricos de antes.
A
primeira reunião do COPOM sob a presidência de Goldfajn deliberou pela
continuidade da SELIC no patamar em que estava. Em 20 de julho último o
colegiado anunciou que a taxa permaneceria em 14,25% anuais. Com isso, o Brasil
teve a oportunidade de comemorar um ano dessa verdadeira desgraça que se abate
sobre o conjunto da sociedade. Lembremo-nos todos que em 29 de julho de 2015, o
mesmo COPOM havia decidido aumentar a SELIC dos então 13,75% para o nível em
que estamos até hoje.
SELIC nas alturas: remédio equivocado - Todos sabemos o enorme
esforço a que indivíduos, famílias, empresas e governos são submetidos para
suportar os efeitos provocados por tal orientação de política econômica. No
entanto, o mais trágico é que nem mesmo os argumentos retóricos são sustentados
quando se confrontam os dados da realidade. Por que a SELIC deve ser tão alta?
Os manuais tradicionais de macroeconomia insistem que esse é o único mecanismo
eficiente para combater a alta dos preços. Assim, para evitar a volta da
inflação, a sociedade deveria sofrer mesmo com os efeitos recessivos derivados
do arrocho monetário. Essa tese, por si só, já é bastante polêmica. Mas mesmo
assim, a manutenção da SELIC nas alturas não atuou como elemento de redução da
inflação.
Senão,
vejamos. Em julho do ano passado, o IPCA acumulado de 12 meses havia atingido
9,6%. Realmente, um número preocupante, um tanto acima do teto da meta aceito
pelos órgãos de governo e pactuado pelos agentes econômicos - 6,5% ao ano.
Porém, o diagnóstico de que se tratava de um processo de alta de preços
provocado por excesso de demanda não se justificava de forma alguma. Provocar
recessão não era de modo algum remédio para aquele problema.
O
resultado ao longo desse ano todo foi que a SELIC se manteve olímpica e a
inflação praticamente não diminuiu desde julho passado. Pelo contrário, o IPCA
se aproximou de 11% em janeiro e agora está por volta de 9% ao ano. Os únicos
beneficiados por esse tipo de orientação foram os setores que se mantêm
ancorados nos ganhos parasitas do reino das finanças. Vivemos o pior dos
mundos: juros elevados e inflação também alta.
Além
dos efeitos nefastos sobre o nível de atividades e as consequências sociais
deles derivadas, a política monetária piorou ainda mais as dificuldades na
seara da política fiscal. Ao longo desses mesmos 12 meses em que a SELIC esteve
a 14,25%, o governo dirigiu o montante de R$ 450 bilhões do orçamento federal
para o pagamento de despesas com juros da dívida pública. A lógica perversa do
superávit primário exige um enorme esforço de contenção de gastos em saúde,
educação e similares, ao passo que libera completamente as despesas de natureza
financeira praticadas pelo Estado.
O
mesmo BC que define a política monetária é também o órgão público responsável
pela regulação e normatização das empresas que atuam no sistema financeiro.
Apesar de tal atribuição legal e institucional, o banco não cumpre com tal
papel. Pelo contrário, faz cara de paisagem frente às investidas dos bancos e
demais empresas da área contra os interesses dos usuários, sejam empresas ou
famílias. A cobrança sistemática de tarifas exorbitantes pelos serviços
oferecidos é impressionante. A prática de spreads escandalosos sobre as
operações de crédito é inaceitável. Ao longo desse mesmo ano aqui analisado, a
média da taxa de juros para operações com pessoas físicas saiu de 58% para 71%
ao ano. E a taxa média das operações com cartão de crédito aumentou 100 pontos
percentuais ao ano, saindo de 371% para 471%. Uma loucura! Uma espoliação
praticada com a devida chancela e subserviência do órgão que deveria fiscalizar
os excessos praticados pelos bancos.
* Paulo Kliass é doutor em Economia
pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, carreira do governo federal.
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