Miguel Arraes: dois
traços marcantes
Luciano
Siqueira, no portal Vermelho e no Blog do Renato
No terraço de sua residência, em Casa Forte, no Recife,
sobre uma mesinha, uma edição do Diário de Pernambuco com entrevista de um dos
seus secretários cujo teor denotava evidente ingenuidade política:
- Que quer dizer nosso amigo com essa declaração, doutor
Arraes?
- Quem sabe? Esse aqui – observou, em tom irônico – é um
santo, tem lugar garantido no Céu! Eu não, como pensam que sou comunista, ainda
passarei pelo Purgatório; você nem a isso terá direito, porque é comunista
mesmo. Mas esse aqui, quando morrer, vai direto para o Céu e terá sala com ar
condicionado, fax, secretária...
De fato, Miguel Arraes de Alencar, que hoje faria 100 anos,
nunca foi comunista, a despeito de ter sido acusado de “vermelho” quando
deposto e cassado pela ditadura militar em 1964.
Foi um amigo dos comunistas. Um grande aliado – de meados
dos anos 50 até falecer em 13 de agosto de 2005.
Interlocutor de João Amazonas e Diógenes Arruda no exílio.
Amigo e interlocutor de Haroldo Lima, Aldo Arantes, Aldo Rebelo e Renato
Rabelo, assim como, cá na província, dos nossos camaradas do PCdoB Alanir
Cardoso, Renildo Calheiros e eu.
Privei da sua amizade pessoal. Desde que retornou do exílio,
anistiado, em 1979, até a sua internação hospitalar e morte, em 2005, portanto
durante quase vinte e seis anos, conversamos com muita frequência. Ora convergindo – a maior parte das vezes -,
ora divergindo, sempre em tom mutuamente respeitoso e fraterno.
Deputado estadual, prefeito do Recife, deputado federal,
governador do estado por três vezes, Arraes teve presença proeminente na cena política
pernambucana, com inserção e influência nacional, por mais de cinquenta anos.
Exímio analista dos acontecimentos, hábil articulador,
competente na concertação de alianças, jamais mudou de lado.
Venceu pleitos majoritários liderando frentes amplas e
diversificadas, tendo como ponto de partida a unidade das correntes de
esquerda.
Preservou sempre dois traços marcantes de sua personalidade
política: a defesa da soberania nacional e uma imensa sensibilidade para com os
problemas do povo.
Suas posições nacionalistas jamais adquiriam o cheiro da
naftalina, sempre renovadas com o evolver da realidade no mundo e no Brasil.
Sua atenção às condições de vida do povo o levaram a cuidar
da eletrificação rural e do abastecimento d’água quase que obsessivamente. “Para
que o homem do campo se liberte da dependência do carro pipa e dos coronéis”, dizia.
Concomitantemente, foi pioneiro no financiamento e estímulo
à pesquisa científica e ao incremento de tecnologia para solucionar problemas
locais e na defesa da instalação de uma refinaria de petróleo no Complexo
Portuário de Suape, enfim conquistada no governo Lula, como fator dinâmico do desenvolvimento
regional.
No tempo regressivo em que vivemos, assinalar o exemplo de
Miguel Arraes, a propósito do centenário do seu nascimento, faz parte da
resistência democrática e patriótica.
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