Mitos e ideologia
dos cabeças de planilha e a crise
Luís Nassif,
Jornal GGN
Publicado
no dia 5 de dezembro no jornal Valor Econômico, o artigo “De onde virá a
recuperação”, de Gustavo Loyolla, permite uma boa análise de caso sobre como a
subordinação à ideologia cria um viés que impede análises isentas sobre o
momento.
Sabe-se
que a recuperação da economia depende do apareciomento de um fator de demanda,
dentre as seguintes alternativas:
1.Gastos
públicos.
2.Gastos
de famílias
3.Exportação.
Vamos
ver como o Gustavo se comporta quando a realidade atropela suas crenças.
A
divulgação do PIB do terceiro trimestre pelo IBGE confirmou o pessimismo quanto
à velocidade e força da recuperação da atividade econômica. Os números mostram
que, após sucessivos trimestres recessivos, o ponto de inflexão apenas ocorrerá
no ano que vem e assim mesmo sem levar a uma robusta retomada. Vale recordar
que a melhora da confiança de consumidores e empresários após a saída de Dilma
sugeriu inicialmente que a recuperação pudesse ser mais rápida. Porém, parece
que a herança maldita deixada pela gestão econômica anterior é muito mais
pesada do que se imaginava inicialmente.
Qual
a lógica? No momento em que Dilma caiu tinha-se à mão todos os indicadores
macroeconômicos. Em cima deles, teriam que ser montadas as estratégias e
apresentados os cenários. Como alegar surpresa com indicadores que eram
fartamente conhecidos?
De
todo modo, há ainda razoáveis chances de o PIB apresentar um comportamento
positivo em 2017. A elevada capacidade ociosa na economia e a gradual redução
da taxa básica de juros pelo Banco Central devem abrir espaço para alguma
recuperação. Contudo, são vários os fatores que irão atrasá-la e limitá-la.
Tais fatores são, a maioria deles, de natureza doméstica, tendo como pano de
fundo uma situação política delicada e volátil.
Mais
um erro de análise: supor que com a queda de Dilma acabaria a volatilidade
política e econômica.
O
principal limitador à recuperação cíclica da economia está na necessidade de
ajuste forte das contas públicas que tiveram uma deterioração acelerada nos
últimos anos da gestão Dilma Rousseff. A lambança do período Guido Mantega
deixou a administração atual sem nenhuma opção para praticar políticas
anticíclicas no curto prazo. Ao contrário, a nova equipe econômica está
obrigada a reverter o déficit primário o mais rapidamente possível, sob pena de
deixar a dívida pública numa trajetória insustentável que traria consequências
ainda mais desastrosas para a economia.
O
maior peso nas contas públicas são as taxas de juros praticadas pelo Banco
Central. Não entram nas análises do Gustavo Loyolla, por impossibilidade
ideológica.
Não
obstante a gestão responsável das contas públicas ter inegáveis efeitos
benéficos de longo prazo sobre o crescimento, a retomada da demanda agregada no
curto prazo não pode depender da política fiscal, nem tampouco da expansão do
crédito dos bancos públicos (notadamente o BNDES) que foram abusivamente
utilizados na gestão Dilma e que agora necessitam eles também de ajustes
importantes.
Se
não pode depender da política fiscal nem do crédito dos bancos públicos, o que
sobra? Anote esse ponto, para conferir mais abaixo.
Sendo
assim, a recuperação deveria vir da demanda do setor privado.
Ótimo!
Vamos ver como ocorrerá esse milagre, sem a alavanca dos gastos públicos.
Muito
embora a melhora da confiança de consumidores e empresários favoreça o aumento
do consumo e do investimento, esta é apenas uma condição necessária, mas não
suficiente.
O
ovo ou a galinha? A melhora da confiança dos empresários depende do aumento da
confiança dos consumidores. O aumento da confiança dos consumidores depende de
geração de emprego e renda, que o empresário não pode oferecer sem aumento do
consumo. Como cortar esse círculo vicioso?
Na
atual situação, a expansão da demanda do setor privado se encontra limitada
principalmente pelo excesso de endividamento das pessoas físicas e jurídicas,
no contexto de condições de crédito muito restritivas. Ademais, a reação do
mercado de consumo doméstico encontra limites em um mercado de trabalho
desaquecido, com emprego e salários reais ainda em declínio.
E?
Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três…
A
aceleração dos investimentos em infraestrutura, estimulados por melhoras no
ambiente regulatório e novos leilões de concessões e privatização por parte dos
governos federal e dos Estados poderia ser um vetor da retomada, porém, a
concretização desses investimentos não se dará imediatamente, notadamente
considerando a situação das empresas brasileiras do segmento e as dificuldades
de financiamento fora do BNDES.
Viram?
Lá em cima o Loyolla disse que não se pode contar com os bancos públicos. Aqui,
diz que dificuldade maior para a recuperação das empresas de infraestrutura é a
falta de financiamento fora do BNDES. Sobra o quê?
Por
outro lado, a demanda externa, que teoricamente também poderia ser um caminho
de recuperação do PIB, encontra restrições seja no próprio baixo grau de
abertura da economia brasileira, seja na atual fraqueza dos principais mercados
internacionais.
Passa
ao largo da palavrinha mágica: câmbio. Como pretende reativar o setor externo
sem ganho de escala interno (por conta da recessao interna), pela fraqueza da
economia mundial e sem câmbio? Como é tabu, o raciocínio dele deixa essa parte
em branco.
Os
condicionantes mencionados deixam a política monetária como um dos poucos
pontos de esperança em 2017, já que o BC poderia acelerar a derrubada da taxa
básica de juros, tendo em vista a queda das expectativas inflacionárias que já
se aproximam da meta de 4,5% para o ano que vem. Contudo, sem desprezar a
importância da correta calibragem da política monetária pelo BC, as taxas reais
de juros ainda remanescerão elevadas ao fim do ciclo de queda da taxa Selic, em
torno dos 5% ao ano, considerando as projeções de mercado, caso não se queira
se arriscar a uma recidiva da inflação.
Segundo
ele, caminho seria a redução dos juros, mas não pode haver redução dos
juros.
Com
isso, as condições do crédito devem melhorar um pouco nos próximos meses, mas não
a ponto de levar o crescimento para patamar acima de 1% em 2017.
No
âmbito da política, é bom lembrar que uma das principais fontes do otimismo
inicial dos agentes econômicos com relação à gestão de Michel Temer estava na
potencial capacidade de articulação de seu governo com o Congresso Nacional
para a aprovação das medidas de ajuste e das reformas necessárias à retomada do
crescimento econômico sustentável. Os sucessivos desgastes sofridos com crises
como a que afastou Geddel, a ameaça das delações no âmbito da
"Lava-Jato" e a crise entre o Legislativo e o Judiciário passaram
agora a serem vistos por muitos analistas como uma ameaça à continuidade das
reformas em 2017.
Fantástico!
E todos esses ingredientes estavam à mesa por ocasião da queda da Dilma. Porque
não foram considerados nas analises da época? Para não atrapalhar o
impeachment.
Nessas
circunstâncias, embora registrando que o governo não perdeu até agora nenhuma
votação importante da pauta econômica no Congresso, tendo obtido até maiorias
folgadas nas votações da PEC de limitação dos gastos, continua sendo de
fundamental relevância para um cenário mais positivo nos próximos meses a
continuidade da aprovação das medidas de ajuste, inclusive e principalmente a
reforma da previdência social.
Ou
seja, descartou TODOS os fatores de demanda possíveis. E diz que o que irá
resolver a recessão será amarrar ainda mais as despesas públicas. Isto é
matéria de fé, não conclusão científica.
Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente
do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São
Paulo. Escreve mensalmente às segundas-feiras. gloyola@tendencias.com.br
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