16 maio 2017

Pela vida real

Para muito além dos detalhes
Luciano Siqueira, no Blog da Folha

Um companheiro de partido, militante há décadas, conserva até hoje o interesse por detalhes. Compreende a essência das coisas, mas não abre mais de aspectos secundários e até desprezíveis.

Certa vez, ao ouvir a informação de que um membro da direção estadual do PCdoB faltaria a uma reunião em razão do falecimento da avó, ergueu o braço e quis saber:

- Avó materna ou paterna?

De outra feita, ao me visitar em minha residência, buscou detalhes sobre nosso pequeno apartamento que eu mesmo não pude esclarecer:

- Quantos metros quadrados, qual a dimensão dos cômodos, ano de construção, marca das torneiras da cozinha e assim por diante.

Isto sem nenhuma intimidade com a construção de residências, nem com instalações hidráulicas e muito menos com o mercado imobiliário. Apenas pelo estranho prazer de se informar sobre detalhes.

Assistíamos na TV a uma partida entre a seleção brasileira de futebol e a alemã e ele me inquiriu sobre a vida pessoal do goleiro alemão, Sepp Maier - idade, estado civil, etc., como se eu soubesse ou tivesse algum interesse nesses detalhes. 

Mas o que lhe confere originalidade é que essa obsessão pelo secundário jamais o desviou da centralidade das coisas. Um mérito.

Hoje, vejo muita gente que se pensa bem informada, mas pouco sabe além de meros fragmentos da realidade.

É a cultura das redes sociais, da comunicação entre grupos afins fechados entre si.

Pois é claro que já não é necessário acender fogueiras ou rufar tambores para que as pessoas se comuniquem.

Porém nas redes sociais, o Facebook sobretudo, através de complexa manipulação de algoritmos, o usuário termina confinado a grupos de "amigos" afins. Em consequência, o diálogo com outras parcelas da sociedade fica prejudicado.

A grande mídia, bem sabemos, é cada vez mais sofisticadamente seletiva: você vê, lê e ouve o que os conglomerados de comunicação escolhem, distorcendo a realidade e lhe impondo um consenso que interessa às elites dominantes.

E se você não se entusiasma por buscar se informar de modo mais amplo e formar seu próprio juízo de valor, o mundo gira e evolui e você nem sabe. Permanece envolvido nos fragmentos. 

Para, além disso, devemos todos buscar o que se costuma dizer "o que está por trás da notícia". Para muito além dos detalhes e da aparência, em busca da essência. 

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